Política em Análise

Auxílio Brasil maior em vez de compensação

Proposta de aumentar benefício e criar vale caminhoneiro é melhor que a anterior, que derrubava arrecadação de ICMS, mas veio tarde e sofrerá questionamentos

Por Ricardo Corrêa
Publicado em 24 de junho de 2022 | 11:38
 
 

Preocupado com a possibilidade de que a medida que poderia derrubar a zero o ICMS do diesel fosse inócua, principalmente pela falta de adesão dos governadores, o governo federal resolveu mudar completamente a medida e usar os R$ 30 bilhões que guardava para a proposta na concessão direta de um aumento do Auxílio Brasil e do vale gás e na concessão de um voucher caminhoneiro. Independentemente do interesse de campanha, a nova proposta é melhor que a anterior, aponta para um lado correto de socorrer os que mais precisam, mas veio tarde e pode sofrer questionamentos sobre sua legalidade em ano eleitoral.

A ideia, confirmada por Bolsonaro em discurso na Paraíba, ainda está sendo construída dentro do Senado, onde a PEC que permite aos governadores zerarem o ICMS do diesel em troca de uma compensação da União é discutida. Esse assunto já havia passado na Câmara mas, no Senado, está sendo modificado pela avaliação do governo de que, por ser uma autorização apenas e não uma obrigação, não garantiria que os Estados de fato topassem entrar na jogada. O mais provável, considerando os recursos à Justiça à própria redução do ICMS de combustíveis e gasolina para 17% e 18% indica que não há ânimo nos entes federativos para perder arrecadação neste momento. Inclusive, o próprio veto de Bolsonaro à compensação das perdas por essa limitação, feito na noite desta quinta-feira (23), tornaria ainda menos provável a adesão dos governadores ao diesel com zero imposto estadual.

Com a mudança em construção, a proposta passa a focar em outro ponto. Em vez de buscar esse imposto zerado, a União, usaria o recurso disponível, da ordem de cerca de R$ 30 bilhões, para aumentar temporariamente o Auxílio Brasil. Ele passaria dos R$ 400 fixos para R$ 600 até dezembro. Além disso, o governo quer dobrar o vale gás e garantir um voucher de R$ 1.000 para caminhoneiros autônomos, para reduzir o impacto da alta do diesel em seus negócios e reduzir custos de transportes a esse grupo que está insatisfeito e ameaça fazer greve.

A nova proposta vai em uma linha mais correta que as anteriores. Afinal, destina o dinheiro efetivamente a quem mais precisa, em vez de subsidiar o uso dos combustíveis fósseis. Em vez e zerar o imposto sobre um produto que também é usado por quem tem carros mais luxuosos e que seria pago por toda a sociedade com cortes na educação e na saúde, foca-se em quem está mais vulnerável, no caso do Auxílio Brasil. Seria ainda melhor, porém, se o dinheiro fosse usado para zerar a fila do programa. Afinal, se está difícil viver com R$ 400 diante dos preços nas alturas, que dirá quem não tem o que comer e está na fila do programa, como é o caso de milhões de brasileiros.

Ocorre, porém, que a proposta veio tarde. A situação é dramática já de algum tempo e, só agora, faltando menos de 100 dias para a ida dos brasileiros às urnas, e desesperado com o desempenho ruim do presidente nas pesquisas, o governo resolveu se mexer. Antes tarde do que nunca, certamente dirão uns, mas em período eleitoral, a iniciativa agora tende a sofrer questionamentos. Afinal, a Lei das Eleições é bem clara nesse sentido. No artigo 73, que trata da vedações aos ocupantes de cargos públicos, no parágrafo 10 está escrito: “No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa”.

É claro que o voucher caminhoneiro é um novo benefício concedido em ano eleitoral. E parece razoável também supor que o aumento do Auxílio Brasil, embora ancorado em um programa já existente, é uma inovação, temporária, e, portanto, um novo benefício também. A solução, dada no próprio texto da lei, é a adoção de um estado de emergência. A legislação não deixa claras as razões pelas quais esse estado pode ser decretado. E a situação hoje não é diferente do que vivemos nos últimos meses ou desde o início da pandemia. Por qual razão, que não eleitoral e para driblar a Lei Eleitoral, haveria de se decretar a emergência agora?

O governo sabe disso mas não está nem aí. E é assim pois crê que ninguém terá coragem nem de questionar o assunto judicialmente nem de tentar impedir publicamente a concessão de novos benefícios. O drible na lei, acredita o governo, terá o apoio da oposição, que não topará um desgaste para barrá-lo. Mesmo que alguém vá à Justiça, o governo também acredita que este outro Poder não vá impedir essas medidas em um momento em que a fome explodiu no país. E mesmo se houver a vedação, sobrará para o Palácio do Planalto o argumento de que tentou e foi impedido. Bolsonaro e a base calculam que ganharão qualquer que seja o desfecho.

Do ponto de vista eleitoral, porém, há dúvidas se o presidente conseguirá benefícios suficientes com a adoção das propostas. Quando o Auxílio Brasil foi implementado, apostava-se em uma subida rápida do presidente nas pesquisas. Isso não aconteceu. Houve demora para o presidente reagir. Quando aconteceu, apressadamente todos passaram a atribuir ao benefício, mas depois notou-se que o crescimento de Bolsonaro deu-se com a desidratação da terceira via e com a saída de candidatos da disputa. Ele não alterou o quadro de segundo turno na disputa com Lula. Hoje, Bolsonaro trabalha com esses mecanismos para impedir uma derrota ainda no primeiro turno. Para isso, não precisa de um salto extraordinário, mas de uma pequena melhora. E aí, depois, no segundo turno, precisaria de outro fato mais marcante ou eventualmente até algum distúrbio para evitar que deixe o poder. Não há dúvidas de que o debate sobre o aumento do auxílio e o voucher caminhoneiro estão nesse contexto. Mas, assim como valia para o Bolsa Família, independentemente dos motivos pelos quais o presidente quer fazer política social, ela é importante e urgente para quem passa fome e tem pressa.