Política em Análise

Bolsonaro colhe vitórias em guerra contra o STF

Parte do Legislativo aceitou associar-se nos desafios à Corte, confiante de que indulto valerá para todos, qualquer que seja o crime

Por Ricardo Corrêa
Publicado em 28 de abril de 2022 | 10:25
 
 

Desde o início de seu mandato, o presidente Jair Bolsonaro (PL) muito mais perdeu do que ganhou em suas batalhas contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e, em outros tempos, contra o Legislativo. No episódio atual, porém, o presidente da República está vencendo. A falta de reação à escalada do chefe do Executivo iniciada com o indulto a Daniel Silveira não deixa qualquer dúvida quanto a isso. Hoje, ele está mais forte e conta com uma parte do Centrão que, até outro dia, tinha muito mais medo da Corte máxima do Judiciário brasileiro.

A quarta-feira (27) foi recheada desses exemplos. De um lado, o presidente reuniu uma parcela relevante de parlamentares no Palácio do Planalto em um evento cujo objetivo era claramente disparar contra o Supremo. A presença dos parlamentares e as fala de alguns deles, praticamente referendando o que disse Daniel Silveira antes de ser preso, são bons parâmetros. A transformação dessa figura controversa em herói também. Ainda que alguns achem que houve excesso em sua condenação, e que caibam questionamentos pelo fato de as vítimas estarem julgando o réu (eu mesmo já falei daqui sobre esse incômodo), o fato é que o parlamentar atacou as instituições, pregou o fechamento do tribunal e a agressão a seus ministros. Se parlamentares, mesmo diante disso, consideram razoável transformá-lo em herói publicamente, indicá-lo para comissões na Câmara, entre elas a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a mais importante delas, é sinal de que os pudores se foram mesmo.

Em setembro de 2021, no auge da crise desencadeada pelos protestos pró-governo do dia 7, após o presidente dizer que não cumpriria mais as decisões de Alexandre de Moraes, parte do centro político reagiu. Houve grita geral. O PSD ameaçou entrar com um impeachment e bancadas do centrão disseram que, assim, não seria possível continuar apoiando o governo. A reação foi tão forte que Bolsonaro recuou, chamou Michel Temer a Brasília e escreveu uma carta com ares de rendição.

Quando colocou tanques para desfilarem para forçar o Congresso a impor o voto impresso nas eleições deste ano, recebeu em troca uma derrota e o aviso do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que esse assunto estava encerrado.

Agora, porém, o cenário é outro. O presidente está mais forte, tem mais apoio e pouca objeção. Indultou um aliado, fez discurso sugerindo que as eleições de 2020 não deveriam ter ocorrido, reiterou desconfianças, indicando que pode se opor inclusive à realização da disputa deste ano, como disse, para todos os cargos. Até agora, não houve reação.

Parte do centrão fez as contas e resolveu que vale a pena deixar o presidente desgastar o STF. O indulto a Silveira mudou profundamente suas visões. Se antes temiam condenações no Judiciário, agora acham que a última palavra será do presidente. E que se amanhã forem punidos, haverá indulto. Não importa qual crime. Se o indulto é ilimitado e vale o que o presidente escrever, corruptos também poderão ser libertados. Não só por esse presidente, mas pelos próximos que vierem. Até para opositores não parece má ideia. É um salvo conduto para quem for aliado de quem estiver no poder. E aí, quem tem processos no Supremo e que pisava em ovos, hoje paga para ver. Por isso Bolsonaro agora está ganhando a guerra. E as reações tímidas e cautelosas dos ministros do Supremo, hoje totalmente isolados pela inação das lideranças nas duas Casas do Congresso e pela passividade da Procuradoria Geral da República (PGR) ampliam esse quadro.

Resta saber como o STF vai sair dessa. Fala-se em uma ação conjunta com outros tribunais, esticando a corda e mostrando a força do Judiciário. Hoje, parece pouco provável que isso faça a tropa bolsonarista recuar.