Ricardo Corrêa

Editor de Política de O TEMPO e escreve neste espaço diariamente

Política em Análise

Bolsonaro ganha com André Mendonça de molho

Publicado em: Qua, 15/09/21 - 11h12

Enquanto o Senado adia a sabatina do ex-advogado geral da União André Mendonça, indicado por Jair Bolsonaro para o Supremo Tribunal Federal (STF), indiretamente, é o próprio presidente quem colhe pelo menos um fruto. Não definir sobre o caso significa manter as esperanças de Augusto Aras, procurador geral da República, de ficar com a vaga, o que pode ter implicações na postura do chefe do Ministério Público Federal, que acabou de ser reconduzido para mais dois anos à frente do cargo.

Nas últimas semanas, a PGR até tem tido postura mais ativa em casos relacionados a aliados do presidente da República. Sob forte pressão interna e externa, Aras pediu a prisão de apoiadores do presidente que organizaram atos antidemocráticos, defendeu a manutenção da detenção de Roberto Jefferson e a derrubada da medida provisória que tentava alterar o Marco Civil da Internet para dificultar a derrubada de conteúdos pelas redes sociais. Ainda assim, considera-se que a postura, principalmente em relação à figura de Bolsonaro, inspira desconfiança. O discurso de Aras após o 7 de Setembro, considerado demasiadamente brando com o presidente, é um exemplo disso. Nessa expectativa de que seja indicado para o STF no lugar de André Mendonça residiria essa cautela que, para muitos, não existiria se não houvesse mais qualquer chance para tal. Hoje, se André Mendonça for rejeitado pelo Senado, além de Aras, Humberto Martins, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), também é cotado. Se André for escolhido, esses dois teriam que esperar o próximo mandato (ou o próximo presidente) para ter outra chance. Com Bolsonaro muito mal nas pesquisas, poucos no meio político acreditam em sua reeleição.

Do outro lado dessa história, André Mendonça foi praticamente abandonado pelo Palácio do Planalto, que deixou para que ele resolva sozinho o imbróglio que impede que seu nome seja avaliado. Os motivos para a resistência por parte dos senadores são vários. Alguns deles são ditos claramente pelos parlamentares: a proximidade excessiva com o presidente, o fato de ter atuado contra adversários do governo quando era ministro da Justiça (pedindo inquéritos por exemplo) e o próprio cabo de guerra de Bolsonaro com os demais Poderes.  Outro porém, mais forte nos bastidores, os parlamentares não têm interesse em comentar publicamente: o medo que eles têm de que Mendonça tenha uma postura punitivista quando chegar à Corte. Essa preocupação baseia-se na produção acadêmica do ministro e em sua participação em acordos de leniência relacionados à Lava Jato. Políticos, obviamente, preferem um Supremo mais garantista, e não querem correr o risco de ver a ala pró-Lava Jato recuperar a maioria na Casa ou em uma das Turmas.

No Supremo Tribunal Federal, a espera gera irritação. Afinal, há acúmulo de processos e prejuízos à produtividade da Corte com um ministro a menos. Já para Bolsonaro, deixar tudo como está não é ideia ruim. Além de isso ajudar a manter Aras ainda próximo, deixa a bola com o Senado indefinidamente. E aí o presidente pode dizer para a base evangélica que fez a sua parte, cumpriu a promessa de indicar um evangélico para o cargo e que outro Poder é que não quer que assim seja. Evita assim a chance de ter que decidir de novo e desagradar esse público quando escolher Aras, Martins ou qualquer outro.

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