Política em Análise

Derrota no horizonte e provocação final

Horas antes de ver o voto impresso ser enterrado, Bolsonaro usa desfile militar para tentar demonstrar força, mas realça desespero do governo

Por Ricardo Corrêa
Publicado em 10 de agosto de 2021 | 09:49
 
 

Vendo de perto a derrota na apreciação da PEC do Voto Impresso nesta terça-feira (10) na Câmara dos Deputados, o presidente Jair Bolsonaro fez uma provocação final nesta manhã, ao determinar a alteração do trajeto de um desfile militar para uma intimidação aos demais Poderes. É preciso, porém, delimitar os efeitos da atitude inconveniente, que não tem poder para alterar o resultado no Parlamento. Enquanto isso, a Câmara discute outras mudanças mais profundas e relevantes no sistema eleitoral, demonstrando não ter qualquer rumo no debate sobre o pleito de 2022.

Em relação ao desfile militar, é preciso não dar a essa provocação um tamanho que não tem. O desfile sempre acontece, desde 1988, já estava marcado, mas teve o trajeto modificado por ordem de Bolsonaro para passar na Esplanada. É, como dito, uma provocação, mas não um ensaio para um golpe. Tem pouco efeito prático. Não deve ser comparado ao episódio da demonstração de força às vésperas da votação das Diretas, por exemplo. É apenas simbólico e suficiente para demonstrar que o presidente da República tem comandado até decisões corriqueiras das Forças Armadas, que se rebaixam a um nível jamais visto no período democrático. Já disse aqui nesse espaço como o governo atual tem enfraquecido a imagem das instituições militares, ao contrário do que imaginavam os generais quando Bolsonaro chegou ao Poder. O desfile, em si, chegou a ser constrangedor e virou piada nas redes com deboches sobre a quantidade de fumaça espalhada pelos tanques sobre os brasilienses.

Do lado de Bolsonaro, ele só tem a ganhar com essa proximidade com as Forças Armadas, na tentativa de demonstrar um poderio que não tem. Neste caso específico, porém, embora o objetivo fosse dar uma demonstração de força, deixa escancarada uma fragilidade. O governo, não tendo qualquer capacidade de articular votações na Câmara, faz um último movimento pelo voto impresso abraçando-se a militares na rampa do Palácio do Planalto. É como se pedisse socorro desesperadamente.

O episódio ficará ainda mais constrangedor quando os deputados derrubarem o voto com impressão hoje mais tarde. Com ao menos 15 partidos (330 deputados) colocando-se contrários à ideia, e com o governo precisando de 308 votos em 513 parlamentares, seria necessário uma estratégia muito mais pragmática do que um desfile militar para mudar o quadro. O governo, claro, tem a força da caneta e dos cargos na Esplanada, mas, no cenário de pindaíba e com uma base completamente desarticulada, precisaria de muito mais tempo para conseguir virar votos suficientemente para vencer. Como está, vai ser uma derrota ampla. E tendo se comprometido com Arthur Lira a respeitar o resultado da votação, restou a Bolsonaro fazer seu desagravo antes, usando o desfile. O presidente da Câmara chamou o episódio de “trágica coincidência” e chegou a aventar a possibilidade de adiar a votação. Seria, porém, uma vitória para o governo que os parlamentares não querem dar.

Enquanto enterra o voto impresso, a Câmara amplia a discussão sobre outros temas, mais relevantes e com maior impacto nas eleições de 2022. E, nesse debate, os parlamentares mostram-se perdidos. Em comissão especial, aprovaram tanto a volta das coligações nas eleições proporcionais como a adoção do sistema do distritão. São, obviamente, propostas incompatíveis. No caso das coligações, elas são feitas para reunir votos dos partidos dentro de uma chapa e, assim, permitir que candidatos de legendas com menos força consigam chegar ao Parlamento. Já o distritão define que é cada um por si, pouco importando qual o partido de cada um e não havendo reunião de votos em nenhuma hipótese. O mais votado é eleito e os votos nos derrotados se perdem. Portanto, os dois sistemas não podem coexistir.

Fato é que os parlamentares avançam com os dois temas para que um deles seja aprovado, seja qual for. Como o distritão dificilmente passaria no Senado, a volta das coligações seria uma alternativa para parlamentares de partidos que temem o fim de suas legendas e a perda de cargos. Hoje, a Câmara está movida pelo sentimento de reeleição da maioria das bancadas. Com muitos parlamentares temendo ficar de fora nos próximos quatro anos, querem mudar as regras para modelos que permitam vantagens a quem está no cargo. O distritão, nesse sentido, seria a melhor opção para eles. O problema é convencer os senadores, que não são nada afetados pela mudança e que podem votar com mais independência.