Ricardo Corrêa

Editor de Política de O TEMPO e escreve neste espaço diariamente

Política em Análise

Falta explicação sobre depósitos de Queiroz

Publicado em: Qui, 13/08/20 - 10h10

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Vamos recapitular: Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro e amigo de longa data do presidente Jair Bolsonaro, recebeu centenas de depósitos de assessores do então deputado estadual. E já confessou operar um esquema de 'rachadinha' no gabinete da família presidencial na Alerj, embora diga que usou o dinheiro para contratar mais funcionários. Ele fez 27 depósitos para Michele Bolsonaro, no total de quase R$ 80 mil ao longo dos anos. Também pagou contas pessoais de Flávio Bolsonaro, como mensalidade escolar e planos de saúde. Sua filha também fez repasses, e não batia ponto enquanto trabalhava para a família. O sinal de celular mostra que ela nem passava perto da Alerj. A mulher de Queiroz também fez depósitos para Michele. Já Flávio, o patrão, pagou contas altas em dinheiro, comprou apartamentos por valores oficialmente abaixo do mercado e vendeu por valores bem maiores. No dia em que comprou um apartamento, o vendedor fez um depósito de R$ 638 mil na rua do cartório, mas ele não se lembra de ter pagado em dinheiro. A ex-mulher de Bolsonaro também comprou imóveis em dinheiro vivo. A família usou R$ 3 milhões em espécie para pagar contas e parcelas ao longo de duas décadas. 

É tanta coisa e coincidência, que nem dá para tratar de tudo. Mas vamos nos focar na questão do dinheiro para a primeira-drama. Em relação aos repasses a Michele, ainda não há qualquer explicação. Até havia, lá atrás, quando apareceu o primeiro cheque, um argumento do presidente de que tratava-se do pagamento de um empréstimo de R$ 40 mil. Os novos valores e datas, porém, desmentem a versão. E nenhuma nova foi dada. Há uma semana. O presidente está em silêncio. Michele também.

Já na parte de Flávio, ele não se recorda dos pagamentos em dinheiro pelo apartamento e diz que deu recursos para que Queiroz fizesse os pagamentos de suas contas, Mas a grana não aparece nas quebras de sigilo. Nem a saída do dinheiro de sua conta ou na de sua mulher, nem a entrada nas contas de Queiroz. E ainda tem a versão pouco crível de que um policial militar com baixo salário pagou R$ 16 mil para ele por aplicativo em um churrasco, para ser reembolsado depois, em dinheiro vivo.

A falta de explicações ou a falta de conexão com a realidade das informações até agora prestadas preocupa, e com razão, os aliados do presidente Jair Bolsonaro. Eles temem que, amanhã ou depois, o caso já esteja do tamanho do escândalo de PC Farias, o que derrubou Fernando Collor de Mello. O que ajuda a explicar a relação de Bolsonaro com o Centrão, que promete defendê-lo de ter o mesmo destino do ex-presidente.

Mas não basta sobreviver no mandato. Bolsonaro quer se reeleger e, para isso, terá que reconstruir totalmente o que restou de seu discurso. A sombra de Queiroz vai persegui-lo até o fim do mandato e na campanha eleitoral de 2022 se ele não arrumar logo uma explicação convincente. O silêncio e a estratégia de apenas embaraçar as investigações funciona por um tempo, mas não para sempre. E desmonta qualquer estratégia de dizer que combate a corrupção. Políticos de outros partidos hegemônicos no passado, como PT e PSDB, sabem hoje bem disso. Depois do “cadê o Queiroz”, a pergunta que paira há uma semana sobre as contas da primeira-dama e do filho de Bolsonaro é: “que dinheiro é esse?”.

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