Ricardo Corrêa

Editor de Política de O TEMPO e escreve neste espaço diariamente

Greve não gera efeito prático

Publicado em: Sáb, 15/06/19 - 03h00

A greve organizada por sindicatos e movimentos de esquerda não teve tamanho e força suficiente para fazer qualquer diferença no debate acerca da reforma da Previdência. Pelo contrário: embora tenha chamado a atenção para o tema, tende a ter desagradado mais do que agradado a quem ainda não tinha entrado no debate.

A greve é um instrumento legítimo e previsto na Constituição. Funciona muitas vezes para resolver questões diretamente ligadas a uma categoria. No entanto, para que funcione em uma situação que suplanta os interesses de um grupo específico, precisa ter realmente capacidade de mobilizar e parar o país. Não foi o que se viu ontem.

Uma greve geral deve nascer de um sentimento de revolta da própria sociedade. Só assim é possível fazer com que as pessoas se arrisquem a cruzar os braços mesmo sob os riscos que isso gera na esfera do trabalho privado. Se não for assim, ela acaba se restringindo a grupos que gozam da estabilidade do serviço público. Foi o que parece ter acontecido. O metrô parou, mas a empregada doméstica ou o funcionário da indústria continuou sendo esperado no trabalho e precisou se virar para chegar lá. E, de um jeito ou de outro, chegou. Assim, o Brasil não parou.

Também pesa o fato de que, embora tenha muita gente que considere dura a reforma, a maior parte da população reconhece que é preciso reestruturar um sistema que não é sustentável. Isso fica cada vez mais claro. Basta olhar as contas e perceber que o dinheiro para investimento sumiu e, com o envelhecimento da população, logo estaremos usando todo o Orçamento apenas para garantir a aposentadoria e o restante da seguridade social. A esquerda sabe disso, e parte dela só se mantém contra a reforma porque se sentou em cima de uma antiga percepção de que as pessoas são radicalmente contra a mudança. Esse tempo já passou.

Também atrapalha a confusão de pautas. Misturar a reforma da Previdência com o caso das mensagens polêmicas de Sergio Moro e Deltan Dallagnol ou com a soltura de Lula interessa à esquerda, mas não mobiliza toda a sociedade. Nem de longe, levando-se que a maior parte da população considera que o ex-presidente merece estar preso. Quem é de esquerda pode discordar, mas esse é um fato que todas as pesquisas mostram.

Isso não quer dizer que as mensagens de Moro e Dallagnol não possam anular o processo do ex-presidente. Podem, sim. Aliás, se a lei for seguida, será anulada. Gostem ou não de Lula, as mensagens denotam uma relação promíscua entre juiz e acusação. Qualquer pessoa com o mínimo conhecimento de direito sabe disso. Mas daí a isso significar que Lula seja inocente ou que os protestos contra a reforma da Previdência devam incluir o Lula Livre há uma enorme distância.

Também é bom dizer que o próprio fato de a semana ter sido marcada pelo debate acerca das mensagens reveladas pelo Intercept Brasil prejudicou a estratégia da esquerda de chamar para a greve. Os deputados e senadores de PT e PSOL passaram mais tempo batendo em Sergio Moro do que convocando os atos de ontem.

O protesto contra a reforma não mudará os humores no Congresso. Nem eventuais manifestações favoráveis de mesmo tamanho. Acho que hoje já está claro que alguma reforma vai sair, ainda que menor do que a que o governo quer.

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