Política em Análise

Mandetta morno e fragilidade da base

Depoimento do ex-ministro não implodiu o governo, mas demonstrou fragilidade da base de Bolsonaro na CPI da Covid-19

Por Ricardo Corrêa
Publicado em 05 de maio de 2021 | 09:56
 
 

O depoimento do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, na CPI da Covid-19, foi morno e trouxe poucas novidades em relação ao que já se sabe sobre a atuação do governo de Jair Bolsonaro na pandemia. Certamente, uma frustração para oposição ao Executivo, que contava com a apresentação de documentos e outros artifícios que ampliassem a pressão sobre o presidente. Mas a oitiva no Senado também serviu para mostrar que a base governista parece não ter armas razoavelmente potentes para a batalha que vai ser travada nos próximos meses. O governo está apavorado e, com base no que foi apresentado até aqui, demonstra não ter forças para reagir.

Quanto ao depoimento de Mandetta, como disse, a maior parte de seu relato apenas confirma o que todo mundo já sabe: que o presidente foi contrário às medidas de isolamento e que minimizou a pandemia. Do que disse, talvez o que tenha potencial para render um pouco mais de dor de cabeça para o governo e discussões mais intensas nos próximos meses seja a revelação de episódios envolvendo o uso da cloroquina, sem eficácia para o tratamento da Covid-19. Mandetta disse, por exemplo, que o governo driblou um comitê técnico científico para fazer a compra do medicamento, que foi alertado de que a aquisição poderia configurar improbidade administrativa, e que houve até mesmo uma discussão extraoficial sobre a edição de um decreto que incluísse, na bula da cloroquina, a recomendação de uso para a Covid, contrariando os estudos científicos publicados no mundo inteiro e as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS). Isso pode, mais à frente, implicar o próprio presidente.

Mas se Mandetta não implodiu o governo, também não apanhou como se esperava dos políticos governistas. E isso se deu pela total falta de argumentos e de preparo por parte dos quatro senadores que têm visão um pouco mais próxima do Palácio do Planalto dentro da comissão. Nervosos, eles liam perguntas produzidas pelo Executivo – o que indica uma séria interferência nos trabalhos da comissão – e ainda passaram o constrangimento de ver, em um determinado momento, Mandetta ironizar que tinha recebido, por engano, a mesma pergunta do ministro Fábio Faria, das Comunicações. Foi quando Ciro Nogueira (PP), o mais governista dos integrantes do colegiado, tentou colocá-lo contra a parede. Mandetta acabou nadando de braçada em todas as perguntas, gerando inclusive irritação no Planalto, segundo relatos da imprensa nacional. A base aliada mostrou que está sem poder de fogo.

Também foi muito ruim para o governo a repercussão do adiamento do depoimento de Eduardo Pazuello na comissão. Ele alegou que teve contato com pessoas infectadas. Isso, uma semana depois de aparecer passeando no shopping sem máscara. Pazuello, que nunca preocupou-se com isolamento ou com medidas de proteção, poderia ter feito um teste e mantido a data de seu depoimento. Tentou, porém, escapar da presença física, sugerindo um depoimento virtual. A CPI não aceitou. Quer que ele seja questionado olho no olho, sem risco de queda de conexão ou apoio escondido de auxiliares. A situação ficou ainda pior após relato reproduzido na colunista Bela Megale, do jornal “O Globo”, no qual uma pessoa que trabalha na preparação do ministro diz que ele estava com tanto medo da CPI que até tremia durante o treinamento, e que temia ser preso após o depoimento. Pegou mal, inclusive, para o Exército brasileiro, que tem como general da ativa um representante que faz o possível para fugir da batalha de uma CPI. Os que defendiam que ele deveria ter ido para a reserva antes mesmo de assumir o ministério ganharam ainda mais razão. E talvez ganhem mais um pouco no dia 19, quando diante dos parlamentares, Pazuello deve ser massacrado por opositores e independentes, sem uma reação suficiente do governo do qual fez e faz parte.