Política em Análise

O desembarque do PIB

Notas e recados refletem impactos da crise institucional no setor empresarial, com o agronegócio puxando a fila em razão da imagem externa brasileira

Por Ricardo Corrêa
Publicado em 31 de agosto de 2021 | 10:14
 
 

Empresários, de um modo geral, evitam batalhas com o governo. Além de não ser um bom negócio arrumar encrenca com quem faz as regras do jogo, a própria manifestação costuma ajudar a ampliar um clima de instabilidade na economia que, no fim das contas, prejudica os próprios empreendimentos que administram. Quando chega ao ponto de um grupo do setor produtivo publicar uma nota ou fazer uma reclamação aberta é sinal de que as coisas estão mesmo fora da normalidade e que algo maior está para acontecer. No caso em questão, o primeiro setor a dar o grito foi o agronegócio, o que mais sofre com a imagem desgastada do Brasil pelo mundo. Bancos também estão insatisfeitos, mas suas reclamações têm raízes mais setoriais e não estão circunscritas aos erros do governo, mas também a alguns acertos.

Enquanto a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) deu um passo atrás e cedeu aos apelos de integrantes do Ministério da Economia e, principalmente, do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), associações do agronegócio foram adiante e soltaram sua própria carta. Não cita nominalmente o presidente, embora dê todos os recados nas entrelinhas. O principal deles é o seguinte: “O Brasil é muito maior e melhor do que a imagem que temos projetado ao mundo. Isto está nos custando caro e levará tempo para reverter.”. Não tem como ser mais claro quanto aos prejuízos que a instabilidade gera numa área que vive essencialmente de relações com o mercado externo, e que já sofria pressões em razão de uma política ambiental desastrosa. Isso tem custado muito dinheiro ao setor que mais tem contribuído para o crescimento do país.

No caso do setor bancário, as insatisfações são outras. Como disse acima, não estão relacionadas apenas aos erros do governo, como faz crer o movimento. Embora o mote da nota que gerou ameaças de debandada por parte de Caixa e Banco do Brasil fale da necessidade de harmonia entre Poderes e defesa da democracia, as grandes corporações do setor preocupam-se também com políticas que abriram mais o mercado financeiro, como a adoção do Pix e o open banking, que ampliam a concorrência e quebram o monopólio de cinco ou seis instituições que surfaram sozinhas em lucros exorbitantes e altas tarifas por anos. São políticas acertadas, que diminuem a concentração bancária e beneficiam o cidadão. Eles também torcem o nariz para o aumento da taxação no setor, usada para compensar a redução de impostos em outras atividades econômicas, e pela cobrança de tributo sobre lucros e dividendos, prevista na reforma do Imposto de Renda.

Independentemente disso, o  fato é que a batalha que Bolsonaro resolveu travar com o Judiciário e as ameaças constantes de ruptura, vocacionadas no ato do próximo dia 7, são devastadoras para a recuperação econômica. Já disse aqui nesse espaço que se até as regras mais sólidas, previstas na Constituição, podem deixar de valer de um dia para o outro, quem vai ter segurança de investir e colocar dinheiro no país? O efeito de uma ameaça de golpe é evidente: quem tem capital, recolhe-se e tenta se proteger, pois tem mais a perder. Além do mais, seja qual for o motivo para a grita, é fato que as tensões entre governo e empresariado mostram que a articulação da equipe econômica não vai mal apenas com a classe política. Embora a nota publicada pelo agro e a que deveria ser publicada pela Fiesp (e foi adiada para depois do feriado) reclamem do clima de insegurança gerado pela batalha de Poderes, ela traz consigo o recado de que Paulo Guedes já não tem mais força para blindar Jair Bolsonaro no PIB.