Ricardo Corrêa

Editor de Política de O TEMPO e escreve neste espaço diariamente

Política em Análise

O voto com impressão

Publicado em: Ter, 25/05/21 - 10h59

A discussão sobre a adoção de uma urna eletrônica que imprima os votos ganhou corpo nas últimas semanas com a implantação de uma comissão para analisar o assunto na Câmara dos Deputados e com o a intensificação das manifestações de aliados do governo, que insistem na adoção da medida. Embora não tenha até hoje aparecido qualquer indício de fraude no sistema eletrônico utilizado no Brasil, diante do acirramento das tensões, é prudente ao menos avaliar a conveniência de adotar o sistema proposto pelos bolsonaristas ao menos em algumas urnas. Isso evitaria dissabores maiores em 2022.

A urna eletrônica é considerada segura e há inúmeras comprovações disso. Nunca houve prova de invasão ou adulteração de resultados, e os partidos acompanham todo o processo, que inclui os testes de tentativas de invasão por hackers e emissão da zerézima, para mostrar que a urna de fato está vazia. E há observadores internacionais que nunca questionaram a segurança do processo. E há, claro, ainda, a prova mais robusta da confiabilidade: o fato de partidos diferentes e de ideologias diferentes ganharem eleições ano após ano. Quase todos os partidos registrados no país já elegeram alguém nesse sistema. Deputados de esquerda e de direita foram eleitos quase na mesma proporção na última disputa. Os maiores defensores do voto impresso foram eleitos pela urna eletrônica. Que fraude seria essa que não garante vitória sempre para quem, supostamente, frauda?

Sobre o voto impresso proposto pelos aliados de Bolsonaro, não é a volta às urnas e cédulas de papel, como alguns tentam indicar. O que eles querem é um mecanismo que imprima o voto ao ser digitado na urna, que passe por canal transparente que possa ser conferido pelo eleitor e caia dentro de uma urna de armazenamento. Depois, encerrada a votação, seria possível conferir se os votos ali depositados batem com o resultado do boletim de urna que é impresso e afixado na porta de cada seção eleitoral e transmitido para apuração oficial. É inegável que a proposta traria um ponto positivo ao tornar ainda mais evidente que o resultado é de fato aquilo que o eleitor defendeu que seria. No entanto, traz também o risco de que o sigilo do voto seja quebrado, uma vez que o eleitor pode tirar uma foto do papel passando pelo canal para comprovar, em caso de venda de voto por exemplo. Mas com a urna eletrônica isso também é possível se ele filmar o momento em que aperta as teclas e o confirma. Nos dois casos é proibido mas tem muita gente que faz até para se exibir.

Esse tipo de discussão estará colocada no Congresso, que analisará o tema e pode, mais uma vez, votar pela adoção da medida. Nas ocasiões anteriores em que isso aconteceu, o Judiciário acabou derrubando a medida. Agora, corre-se o risco de que isso se repita, com a aprovação no Congresso e a não adoção do novo sistema, o que seria o pior cenário, pois insuflaria ainda mais a base bolsonarista a se rebelar contra o resultado caso ocorresse uma derrota do projeto que está no poder. Isso poderia ter consequências ao país muito mais danosas.

Se uma parte da população, influenciada por notícias falsas ou não, desconfia do sistema, medidas que possam ajudar a ampliar sua credibilidade devem ser levadas em consideração, mesmo que gerem custos. Por isso, a adoção do voto impresso, ou auditável, como nomeiam os bolsonaristas, talvez seja adequada ao menos em uma parte das urnas em 2022. Em todas é impossível. Nem mesmo a urna eletrônica que conhecemos foi utilizada de uma só vez em todo o país no início. O desenvolvimento de uma urna que imprima votos é complexo, não há dinheiro em orçamento, deveria haver ainda licitação, produção, distribuição, testagens de segurança etc. Em um ano seria impossível garantir isso em todo o país.

Grupos próximos ao presidente sabem que adotar o sistema que eles defendem é impossível já em 2022. E trabalha exatamente no cenário em que, uma vez aprovado no Congresso, o Judiciário ou o TSE tenham que rejeitar obedecer a ordem por completa impossibilidade. Aí começaria um movimento para deslegitimar um resultado desfavorável nas eleições. Vale a pena correr esse risco ou é melhor tentar, até o fim, implementar o voto com impressão em ao menos uma parcela das urnas, para verificar o resultado por amostragem? É a discussão que sociedade e autoridades precisam fazer. Isso não pode ser um tabu.

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