Política em Análise

Orçamento secreto é escândalo

Repasse paralelo de recursos pelo governo Bolsonaro com indícios de superfaturamento é grave, mas só será investigado se houver pressão da sociedade

Por Ricardo Corrêa
Publicado em 10 de maio de 2021 | 09:56
 
 

A revelação trazida pelo jornal “O Estado de S. Paulo” da existência de um orçamento secreto de R$ 3 bilhões no governo Jair Bolsonaro, que financia emendas informais para a compra de apoio político, e com indícios de superfaturamento na aquisição de tratores, é daqueles escândalos que fazem tremer um país. No Brasil, já tão calejado por denúncias de corrupção e de impropriedades com dinheiro público, não ganhou ainda no primeiro momento a atenção que merece. Mas o caso, já apelidado de Tratoraço e Bolsolão, é sério, e destrói de uma vez por todas o discurso da base do presidente de que este é um governo sem esquemas ou grandes denúncias.

O que o jornal revelou, com base no acesso a ofícios secretos dentro dos ministérios, é que existe uma operação paralela para garantir poder sobre o Orçamento para parlamentares que votam com o governo. E não é como nas emendas parlamentares, mecanismo no qual cada parlamentar, seja da base ou da oposição, tem direito a um mesmo valor em uma rubrica específica. No caso do orçamento secreto do governo Bolsonaro, majoritariamente só aliados têm direito, e os valores variam de acordo com a fidelidade aos projetos de governo e a importância do parlamentar. Se isso não é uma maneira de comprar votos dos parlamentares, não sei mais o que seria.

Os comparativos com o mensalão, operado pelo PT e revelado em 2005, são inevitáveis. Há quem possa dizer que, ao contrário do que aconteceu naquela ocasião, o dinheiro não irá para campanhas políticas, mas para obras públicas e aquisição de máquinas que vão atender o cidadão. A diferença é visível, mas considerando os indícios de superfaturamento na compra de tratores, o destino final pode ser o mesmo ou até pior. Chama a atenção o fato de que, das 115 máquinas compradas por ordem dos parlamentares dentro do orçamento secreto, só 12 tiveram o preço dentro dos valores que os próprios órgãos públicos consideram como “de mercado”. Isso ao mesmo tempo em que, fora desse orçamento paralelo, as compras obedeciam a valores corretos. É ou não é um indício claro de que tem gente ganhando muito dinheiro às custas de severas irregularidades?

Também no passado está outro esquema que tinha características que poderiam remeter ao caso atual. No escândalo dos Anões do Orçamento, as emendas, incluídas de última hora, eram turbinadas e o dinheiro acabava nas mãos de aliados de parlamentares. É preciso investigar o destino de cada centavo do que circulou por meio do orçamento secreto para saber se as coincidências não param por aí.

Paralelamente a isso, relata também o jornal, o governo ampliou a Codevasf para abrigar indicados de seus aliados políticos. Mas isso aí tem pouca inovação. A forma de cooptar parte do Parlamento foi essa nos governos de tucanos, petistas e emedebistas. Bolsonaro neste caso só reproduz o que seus antecessores e fizeram e que um dia jurou que não faria.

Diante de tamanho escândalo, seria de se esperar que a Procuradoria Geral da República (PGR) já estivesse se mobilizando para a abertura de uma investigação rigorosa. E que o Congresso já estivesse trabalhando em uma coleta de assinaturas para a CPI do Tratoraço. Ocorre que, no primeiro caso, é conhecida a passividade do procurador Augusto Aras com suspeitas envolvendo o governo do presidente que o indicou para o cargo mesmo estando fora da lista tríplice dos procuradores. No segundo caso, a CPI teria dificuldades de andar justamente pelo fato de que alguns dos beneficiados pelo esquema estão dando as cartas no Congresso Nacional.

Mas então é possível dizer que isso não dará em nada? Depende da extensão do atendimento que esse expediente gerou para a base e da reação dos parlamentares quando vazar a lista do que cada um teve direito a indicar. Ao perceber que um parlamentar indicou dezenas de milhões de reais em emendas, enquanto outro ficou com apenas menos de um milhão, talvez os incômodos políticos para Bolsonaro comecem a ganhar corpo. Mas isso só se reproduzirá em efetivo esclarecimento do episódio se vier, da sociedade, um impulso para que haja investigação. Enquanto estiverem todos anestesiados ou cansados de cobrar o poder público para que aja dentro da lei, nada acontecerá. Enquanto eleitores se comportarem como torcedores de futebol, haverá blindagem. E nenhum país resiste a isso.