Política em Análise

Prender ou não prender

No dia em que Fábio Wajngarten confirmou que o governo ignorou a Pfizer por meses, debate foi sobre a detenção do depoente, que poderia trazer consequências ruins para a comissão

Por Ricardo Corrêa
Publicado em 13 de maio de 2021 | 10:06
 
 

Em um dia em que se reforçou a principal prova até aqui da incompetência do governo federal na busca por acelerar a chegada de vacinas para o povo brasileiro, a CPI da Covid-19 gastou mais energia discutindo se prendia ou não o ex-secretário de Comunicação de Jair Bolsonaro Fábio Wajngarten, que mentiu e entrou em contradição por diversas vezes em depoimento ao colegiado. No fim, prevaleceu a posição mais moderada, determinada pelo presidente da comissão, que optou por não promover a detenção do ex-assessor. Atitude correta para preservar o futuro da CPI.

Ainda que seja fato que Wajngarten tenha escorregado na verdade várias vezes em assuntos laterais, o que indicaria um possível enquadramento no artigo 342 do Código Penal, sua prisão traria mais consequências negativas do que positivas à investigação dos eventuais desvios de conduta no combate à pandemia no Brasil. Considerando que qualquer senador pode efetuar a prisão quando entender que há mentira em um julgamento, a CPI viraria um circo. Todo oposicionista que lá fosse poderia ser preso por governistas. E todo governista poderia ser preso por oposicionistas. Só escaparia quem tivesse um habeas corpus na mão, como tenta obter o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello.

O ministro da Saúde, porém, pode não ter a mesma sorte de Wajngarten, que escapou da prisão por um desentendimento dentro do grupo majoritário na CPI. Eduardo Pazuello, que usou subterfúgios para adiar o depoimento e tem péssimo trato com a classe política, tende a correr mais riscos. Por isso vai em busca de habeas corpus, alegando que, na prática, estará lá como investigado e não como testemunha, como indica a convocação formal.

Voltando ao dia de ontem, Wajngarten pode ter mentido em questões laterais, desmentindo sua entrevista à Veja quanto à avaliação que faz do governo, mas isso faz pouca diferença. No que quesito fático, trouxe a confirmação mais importante: a de que o governo demorou dois meses para responder a uma carta da Pfizer, só respondida por ele após ser alertado por alguém de fora do governo e com relações familiares com integrantes da farmacêutica. E que, após a resposta, houve uma reunião e que Bolsonaro não estava presente. No mesmo dia, o chefe do Executivo estava com o cantor Amado Batista no lançamento de um selo na Embratur. Prioridades...

O depoimento de Wajngarten acabou mostrando também que o governo sofre intensamente com a CPI e está sem capacidade de defesa. Os governistas não conseguiram neutralizar os ataques da oposição e, na reta final da sessão, ainda viram Flávio Bolsonaro ser chamado às pressas para bater boca com Renan Calheiros, chamá-lo de “vagabundo” e ouvir de volta que “roubou dinheiro das pessoas do gabinete”. A exposição do próprio filho do presidente na CPI, e justamente aquele considerado mais ponderado, denota o nível de desespero no Palácio do Planalto.

Uma observação final que faço sobre o depoimento é sobre a necessidade de se evitar a humilhação de um depoente na CPI, ainda que ele lá esteja mentindo. É claro que ele deve ser pressionado a dizer a verdade, cobrado a dar respostas e contribuir com a investigação. Mas não parece adequado que ele tenha que ouvir discursos do presidente da CPI e de outros parlamentares, como quando ouviu que “a prisão não seria o pior que poderia lhe acontecer”, sem poder responder ou se defender, pois era sempre avisado de que “estava ali para responder as perguntas” e não dar opinião. Basta pensar na mesma situação, comum, aliás, mas reprovável, de uma testemunha (nem é investigada) sendo destratada por um delegado em uma delegacia qualquer e não tendo qualquer direito de reagir. Não parece justo.