Política em Análise

Reforma tributária em debate

Com incertezas e críticas, texto da fase 'mais fácil' das mudanças fiscais tem semana decisiva na Câmara

Por Ricardo Corrêa
Publicado em 17 de agosto de 2021 | 11:16
 
 

Passada a cansativa discussão sobre o voto impresso, que monopolizou as atenções na semana passada, a Câmara dos Deputados prepara-se para tentar votar um dos braços da reforma tributária que está no Congresso. Na pauta de debates da Casa Legislativa estão as mudanças no imposto de renda, que chegaram com esperança de trazer um pouco menos regressividade para o sistema, mas que enfrentam críticas de praticamente todos os lados. O consenso em matéria tributária não existe. Neste caso específico, há uma carga de incerteza elevada e que pode, inclusive, impedir a votação ou a aprovação do texto do jeito que está agora.

Boa parte dessa incerteza se dá justamente pela estratégia de dividir a reforma tributária em quatro fases. Duas estão em discussão ao mesmo tempo. Uma na Câmara e outra no Senado. Enquanto entre os senadores o debate é sobre a simplificação tributária, com a reunião de impostos sobre consumo em um só tributo, na Câmara discute as mudanças no imposto de renda. As outras fases virão depois. Teoricamente, a parte que está com os deputados seria a mais fácil de ser aprovada. As discussões até aqui mostraram que não é bem assim. Houve necessidade de várias mudanças e o texto que chegará ao plenário é bem distinto do que inicialmente proposto pelo governo. E como compatibilizar essas mudanças com as das outras fases para se calcular qual o resultado final da reforma em termos de tributação e de simplificação do sistema tributário?

Agora, na Câmara, o ponto principal é a correção da tabela do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF). A faixa de isenção subiria de R$ 1.903,98 para R$ 2.550, uma correção de 31,3%. É uma correção que, embora fique na metade do prometido por Jair Bolsonaro (sem partido) na campanha, é cobrada pela sociedade há anos. Governos anteriores, ao não corrigirem a tabela do IRPF, acabaram gerando aumento na carga tributária. O aumento na faixa de isenção beneficia a todos os contribuintes e não apenas os pouco mais de 6 milhões a mais que entrarão na faixa dos que não pagam imposto. Todas as faixas seguintes pagarão menos em razão do patamar de cobrança inicial se alterar.

Mas o aumento da faixa de isenção não vem de graça. Entre as estratégias utilizadas para compensá-lo está o fim do desconto simplificado para algumas faixas. Atualmente, é dado um desconto de 20% dos rendimentos tributáveis (até R$ 16.754,34) a todos os contribuintes, em substiuição à declaração completa, com deduções de gastos com saúde, educação e dependentes. Na proposta colocada só poderá usar o desconto simplificado os que ganham até R$ 40 mil por ano (desconto limitado a R$ 8 mil, o que equivale a 20%). Com isso, contribuintes da classe média baixa, que ganham cerca de R$ 3.000 podem ser prejudicados, caso usem serviços públicos de educação e saúde. Obrigados a fazer a declaração completas e sem gastos a deduzir, eles devem pagar mais impostos.

As maiores polêmicas, porém, se dão na discussão sobre os tributos sobre as empresas. A proposta prevê a cobrança de 20% sobre lucros e dividendos, com consequente redução do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), que passaria de 15% para 6,5%. Além disso, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) também sofreria redução percentual de 1,5 ponto. Entidades empresariais, porém, pressionam deputados alegando que vão pagar mais impostos, que isso reduzirá o ritmo de investimentos e forçará aumento de preços. Eles também apontam que a mudança na cobrança gerará mais complexidade e gastos para administrar a área tributária.

Na contramão das reclamações dos empresários, governos estaduais e prefeituras estão na bronca calculando que haverá queda na arrecadação e que o governo empurrará a conta para eles. Como os maiores cortes se darão nos impostos, que são divididos entre os entes federativos, e não nas contribuições - que a União costuma abocanhar - eles tentam derrubar o texto. A estimativa desses entes é de que Estados e municípios percam cerca de R$ 16 bilhões em fundos de participação que são calculados com base no imposto de renda.

Entre os especialistas em tributação, há uma divisão. Alguns apostam em aumento da carga e consequente estrangulamento da economia, enquanto outros falam em redução da arrecadação e consequentemente produção de uma bomba fiscal para os próximos governantes. Fato é que só essa divergência entre especialistas indica que não estão certos os efeitos que a reforma trará, o que por si só dificulta sua discussão. Uma coisa, porém, é certa: enquanto o país gastar mal, houver corrupção - e ela continua aí escancarada - e não houver crescimento econômico sustentável, não haverá reforma tributária que diminua o peso sob as costas do contribuinte sem que destruir serviços públicos essenciais ou criar dívidas impagáveis. Essa é a única unanimidade no debate.