Camaradagem

TCE tem aval para gastar mais 

Com ajuda da Assembleia, órgão consegue aumentar os valores destinados a altos salários

Qui, 24/04/14 - 03h00

Um acordo firmado entre as presidências da Assembleia Legislativa de Minas e do Tribunal de Contas de Minas (TCE-MG), órgão que tem como tarefa fiscalizar o destino dado ao dinheiro público no Estado, permite, desde o fim de 2013, que o TCE aumente, neste ano, em R$ 110 milhões os gastos com pagamento de salários de desembargadores, oficiais de controle, analistas e pessoal das áreas técnica e administrativa do tribunal.

 

A manobra, formalizada em um ofício de 3 de dezembro do ano passado e assinado por Dinis Pinheiro (PP), presidente da Assembleia, e Adriene Faria de Barbosa Andrade, presidente do TCE, fere os limites estabelecidos na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que determina que o tribunal não poderia comprometer mais de 0,77% da receita corrente líquida do Estado (tudo o que o governo arrecada). Isso quer dizer que, em vez dos R$ 484 milhões previstos para este ano, o tribunal teria que limitar em R$ 374 milhões as despesas com pessoal, da ativa e os inativos.

Com o acordo entre as duas Casas, a Assembleia abriu mão da parte do orçamento que lhe cabia na LRF e, com isso, permitiu ao TCE, cumprir a lei diante de uma conta que, até então, não fechava. A camaradagem tem garantido ao TCE escapar do risco de descumprir os limites da lei federal. Pela Lei de Responsabilidade Fiscal, que vale para todo o território nacional, as Assembleias e os Tribunais de Contas, juntos, não podem ultrapassar em 3% os gastos da receita líquida dos Estados com pagamento de salários.

O índice foi definido, em 2000, com base na média de gastos dos órgãos nos três anos anteriores à vigência da norma. Assim, a Assembleia mineira poderia usufruir de até 2,23% do orçamento do Estado, enquanto o TCE deveria limitar os gastos com pessoal em 0,77%. Mas a relação mudou. Hoje, o TCE abocanha 1% do total, e Assembleia de Minas fica com os outros 2%.

Desde 2012, os dois órgãos mineiros vêm tomando decisões, segundo o advogado especialista em direito constitucional Hermann Wagner Fonseca Alves, inconstitucionais.

Os rearranjos vêm sendo definidos por meio de “decisões conjuntas” quase secretas. Isso porque são divulgadas apenas internamente nos órgãos.

Para o especialista, a revisão dos percentuais foi feita de forma equivocada. Segundo Alves, não há amparo legal para mudar uma lei que tem alcance nacional. O advogado explica que os órgãos só poderiam mexer nos limites da LRF por meio de uma lei complementar, que deveria ser proposta pelo Congresso Nacional. “A Constituição exige que essas mudanças sejam regulamentadas por lei complementar federal. Há uma ilegalidade nessa prática”.

Reincidente. A redistribuição dos tetos para gastos com pessoal entre os dois órgãos acontece desde dezembro de 2012. Naquele ano, a mudança foi documentada também em ofício, que consta no site da Secretaria de Estado da Fazenda (SEF).

Há dois anos, as negociações entre o deputado Dinis Pinheiro e o então presidente do TCE, Antônio Carlos Andrada, garantiram ao tribunal mais R$ 52 milhões, além dos R$ 385 milhões já previstos.

A assessoria da Assembleia confirmou as mudanças nos percentuais e informou que os valores dos quais o órgão abriu mão não prejudicam o orçamento da Casa. Ainda segundo a assessoria, a responsabilidade por publicar a decisão é do principal beneficiado, o Tribunal de Contas.

Limite

Teto. Segundo a LRF, a Assembleia e o Tribunal de Contas de Minas têm, juntos, direito a 3% da receita corrente líquida do Estado. Em 2014, esse percentual representa R$ 1,45 bilhão. A previsão de arrecadação do Estado é de R$ 48,4 bilhões.


Documento passa a autorizar mudanças a cada quatro meses

A decisão conjunta do Tribunal de Contas (TCE-MG) e a Assembleia Legislativa (ALMG), assinada em dezembro do ano passado, ainda abre brechas para que novas alterações na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) sejam feitas para evitar que os gastos com pessoal nas Casas não ultrapassem o previsto na lei federal. Conforme o ofício, a revisão pode ser feita a cada quatro meses.

“Os percentuais nos artigos 1º e 2 º desta decisão poderão ser revistos quadrimestralmente”, diz o texto assinado pelo deputado Dinis Pinnheiro (PP) e pela presidente do tribunal, Adriene Andrade.

Segundo o documento, a decisão que definiu que o Legislativo terá direito a 2% da receita corrente líquida do Estado e o TCE 1% vale até 31 de dezembro deste ano.

---

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo mineiro, profissional e de qualidade. Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar.

Siga O TEMPO no Facebook, no Twitter e no Instagram. Ajude a aumentar a nossa comunidade.