Versões

Um impeachment, duas histórias

Senado define afastamento de Dilma, mas não esgota guerra retórica que marcou o processo

Qui, 01/09/16 - 03h00

Um exaustivo processo no Congresso definiu, nessa quarta (31), o afastamento de Dilma Rousseff da Presidência, mas o debate sobre a legitimidade do impeachment está longe de ser esgotado. Apesar da conclusão do julgamento, os dois lados envolvidos dão sinais de que continuarão a disputa pela forma como a História registrará o processo.

A guerra retórica que se viu nos últimos meses e que alimentou eternas discussões apaixonadas em mesas de bar, almoços de família e redes sociais foi repetida nesse 31 de agosto, com cada um dos lados da disputa se esforçando para deixar registrada sua versão dos fatos.

Entre os que votaram a favor da condenação de Dilma, o discurso sustenta que o Senado deu uma demonstração de espírito democrático e respeito à Constituição. “O resultado é um recado claro para a nação de que não se pode fazer qualquer coisa para permanecer no poder”, afirmou Janaina Paschoal, coautora do pedido de impeachment juntamente com Miguel Reale Jr. e Hélio Bicudo.

Mas para quem se posicionou contra o afastamento, a votação dessa quarta (31) consolida um golpe de Estado, ocultado em um julgamento em que a sentença estava dada antes mesmo de seu início. “Hoje é um dia de luto para a democracia, uma derrota gravíssima para o Brasil”, definiu o advogado de defesa da presidente cassada, José Eduardo Cardozo.

É improvável que se construa uma narrativa homogênea neste momento. Só o distanciamento histórico poderá definir qual versão resistirá.

No seu primeiro discurso como presidente definitivo, Michel Temer disse que não irá tolerar mais ser chamado de golpista. O presidente e seus aliados defendem a tese aprovada pelo Congresso de que Dilma Rousseff cometeu os crimes atribuídos a ela na acusação protocolada em 2015 pelos advogados Janaina Paschoal, Miguel Reale Jr. e Hélio Bicudo, e que o processo obedeceu todo o ordenamento constitucional.

Antes da votação dessa quarta (31), o oposicionista Aécio Neves (PSDB-MG) afirmou no Twitter que, com a aprovação do impeachment, o país escreve “uma página decisiva na sua história, devido à arrogância de um governo que achou que poderia se colocar acima das leis”. Romero Jucá (PMDB-RR), ex-ministro e um dos maiores aliados do presidente Temer, classificou o dia como definitivo para “virar a página.”

Após o fim da sessão, Janaina Paschoal, uma das autoras do processo, enviou um recado para o novo presidente. “Ele tem uma dívida comigo. Ele me deve ser o maior presidente de todos os tempos”, disse a advogada. A jurista comemorou o resultado do processo. “Eu sempre tive convicção de que o afastamento era justo, mas apenas hoje (31), durante a votação, é que percebi a magnitude do processo. A confirmação do afastamento só provou que estávamos certos e que não se pode fazer qualquer coisa para conseguir uma eleição, que foi o que aconteceu”, afirmou.

O senador Fernando Collor de Mello (PTC-AL), que em 1992 foi afastado da Presidência, votou a favor da destituição de Dilma e disse que o impeachment “é o remédio constitucional de urgência no presidencialismo quando o governo, além de cometer crime de responsabilidade, perde as rédeas do comando político e a direção econômica do país”.

O partido Solidariedade, do deputado Paulinho da Força (SP), um dos principais algozes de Dilma, comemorou o impeachment como ponto final no que chamou de desmandos com o bem público. “O Brasil encerra um capítulo vergonhoso, que levou o país à mais grave crise de sua história. A partir de hoje, a ex-presidente Dilma é página virada do cenário político e econômico”, disse a legenda, em nota.

Defendendo reformas urgentes e a retomada rápida da economia, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), disse que “o impeachment, não há como negar, é traumático, mas consolida o processo democrático”.

“Não estamos alegres, é certo. Mas também por que razão haveríamos de ficar tristes? O mar da história é agitado. As ameaças e as guerras, haveremos de atravessá-las, rompê-las ao meio, cortando-as como uma quilha corta”. Foi com esse trecho de um poema do poeta russo Maiakóvski que Dilma Rousseff fez seu pronunciamento de despedida nessa quarta (31) como presidente do Brasil. Ao seu lado, estava uma legião de aliados que estiveram ao lado da agora presidente cassada.

A decisão sobre a cassação da petista, anunciada às 13h36min dessa quarta (31), ocorreu quase nove meses após o início da tramitação do processo na Câmara dos Deputados e três meses e meio depois do afastamento provisório de Dilma.

Para os que, como ela, insistiram na tese de golpe, a decisão dos senadores em interromper o mandato da petista não foi legítima e fere a decisão soberana das urnas. Dilma se despediu com um “carinhoso abraço a todo povo brasileiro”, mas entre os que reagiram ao impeachment restou a indignação.

Em Minas, o governador Fernando Pimentel, colega de partido e amigo da petista, disse, em nota, que “como cidadão brasileiro” estava indignado. “Garantir o cumprimento do mandato conferido pelas urnas é compromisso prioritário dos que prezam a democracia no Brasil”, afirmou. Em seu texto, Pimentel concluiu: “Que as lições desse momento nos sirvam a todos, na construção de um país justo, livre e soberano”.

Definitivamente na oposição, o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PT-PE), avaliou que a cassação do mandato de Dilma é uma injustiça cometida por elites e por pessoas que estão envolvidas em casos de corrupção. Para ele, a decisão de manter a habilitação da petista para ocupar funções públicas atesta que o julgamento foi político e que, muitos que foram do governo Dilma ou eram amigos dela, usaram a chance como uma “compensação” e reforçou qual será o papel do PT no Congresso daqui pra frente: “Nós não vamos reproduzir a maneira que esses segmentos fizeram oposição a nós”.

Logo depois que o Senado aprovou o impeachment, a Frente Brasil Popular, que reúne movimentos de esquerda, divulgou uma carta aberta à petista afirmando que a maioria dos senadores “dobrou-se à fraude e à mentira” e impôs um “governo usurpador”, ao aprovar “um golpe parlamentar contra a Constituição, a soberania popular e a classe trabalhadora”.

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