Especial

Atlético: base do Galo mira captação de atletas cada vez mais jovens

Um dos objetivos do clube alvinegro é criar e fortalecer vínculos com os garotos que queiram vestir a camisa preta e branca

Por Rodrigo Rodrigues
Publicado em 29 de março de 2024 | 06:00
 
 
Heitor Dellavy e sua mãe Regina, após um treino do garoto no sub-9 do Atlético Foto: Rodney Costa/O Tempo

Heitor Dellavy Oliveira tem apenas 8 anos, mas a ambição do canhoto de 1,25 m e 23 kg é superlativa, algo gigantesco. “Quero ser o melhor jogador de futebol do mundo. Seu eu posso sonhar, eu posso ser”, atesta o pequeno atacante nascido em Palmas, capital do Tocantins.

Enquanto o garoto sonha alto, Regina Oliveira, sua mãe, desdobra-se na “vida como ela é” para tornar real o desejo do filho. “Somos feitos de escolhas, e escolhi estar ao lado dele. Toda vez que penso em desistir, peço a Deus. Sou do tipo que, quando não consigo andando, vou de joelho. Porque não quero carregar a culpa lá na frente de que ‘poderia ter dado certo e minha mãe não me incentivou’. Escolhi apoiá-lo e, se amanhã não der certo, já foi muito gratificante”, argumenta a trabalhadora autônoma de 31 anos.

O breve relato resume a saga de Regina. Ao ser alertada sobre o talento precoce de Dellavy com a bola nos pés, ela já percorreu milhares de quilômetros Brasil afora após o filho começar a se destacar em Palmas e disputar campeonatos em outros Estados. Nos últimos dois anos, ela estima ter gasto algo próximo de R$ 60 mil para custear viagens para competições e testes em clubes que se interessaram pelo futebol do garoto.

“Se você me perguntar de onde tirei esse dinheiro, eu não sei. É Deus, né? É Deus que não deixa faltar”, resigna-se.

Em abril do ano passado, um observador do Atlético viu Dellavy em ação no Go Cup, em Aparecida de Goiânia, e o convidou para um período de experiência. De lá para cá, mãe e filho estiveram em Belo Horizonte três vezes e, na última semana, o pequeno atacante foi inscrito pelo Galo para disputar uma competição da categoria sub-9. 

Os pés número 32 de Heitor Dellavy deram um grande passo com a aprovação no Atlético. A partir de agora, Regina terá de superar outro obstáculo. Palmas, cidade natal da família, está a quase 1.200 quilômetros de distância de Belo Horizonte. Por isso, a mudança definitiva para Minas Gerais é um novo adversário que a mãe solo precisará “driblar” para dar sequência ao anseio do rebento. 

“Eu sou autônoma. Se não trabalhar, se não estiver lá (Palmas), não vendo. Tenho outro filho, de 13 anos, que ficou com minha mãe. Eu vi algumas coisas aqui (em Belo Horizonte): emprego, aluguel... Contudo, financeiramente, não consigo me mudar agora. Não consegui juntar dinheiro ainda para vir em definitivo, para pagar uns três meses de aluguel adiantado e começar a vida aqui. Ainda tenho de resolver algumas coisas em Palmas”, conta Regina. 

Talento precoce

A mãe de Dellavy conta que a primeira vez que falaram com ela sobre o dom do filho para a bola, o menino tinha apenas 2 anos.

“Estávamos numa chácara, e uma pessoa que tentou ser jogador, mas não deu certo, brincava de bola com ele. Essa pessoa falou assim: ‘Você já percebeu como o Dellavy joga bem?’ Eu não dei importância, porque pensei que seria impossível alguém dizer que um menino de 2 anos joga bem ou não”, relembra Regina. 

Aos 4 anos, o garoto começou a treinar e se destacar em projetos esportivos de Palmas. Aos 6, ele foi para um torneio em Brasília, e Regina recebeu um novo alerta.

“Um ex-jogador, o Márcio Goiano (zagueiro que passou por clubes como Goiás, Sport e Atlético), chegou e me disse: ‘Sou ex-jogador e estou vendo seu filho jogar. Ele tem muito dom. Invista nele porque vai dar certo’. Ele falou isso e saiu. Aí, fiquei com aquilo na cabeça”, recorda-se.

Nessa mesma época, Dellavy foi visto por um olheiro do Cruzeiro num torneio em São Paulo e convidado a fazer teste na Toca da Raposa. Foi a primeira vez que eles embarcaram para Belo Horizonte, em uma viagem que durou quase três dias.

“Saímos sexta-feira e chegamos no domingo. Marcaram para ele voltar e viemos mais duas vezes”, conta a mãe, ao acrescentar que, logo após ir à Raposa, surgiu a oportunidade no rival alvinegro. 

Dellavy tem como principal ídolo o atacante atleticano Hulk. O menino aponta que também é fã de Messi, “porque ele é canhoto igual a mim”, Cristiano Ronaldo, “um jogador muito esforçado”, Neymar, “uma inspiração”, Pedrinho (Atlético), Paquetá e Falcão (futsal).

Questionado sobre a origem da intimidade rara com a bola, Dellavy atribui ao “sobrenatural”. “Não tem ninguém canhoto na minha família, só eu. Não sei de onde surgiu meu talento, acho que foi Deus”, define o garoto.

A joia da vez

A captação de atletas cada vez mais jovens foi implementada no Atlético a partir de 2021, com a chegada de Erasmo Damiani, gerente geral da base alvinegra. Em sua gestão, foi retomada a categoria de iniciação, que vai do sub-8 ao sub-13. O clube avalia que as principais promessas que se tornaram realidades no futebol brasileiro e proporcionaram as maiores vendas são atletas que chegaram às equipes nessa faixa etária, enquanto foram poucos com 15 anos ou mais. 

Além disso, o objetivo é reter talentos durante todo o processo de formação. “Desde a minha chegada, retomamos a iniciação e criamos algumas categorias. Entendemos que o futebol está precoce e quanto mais cedo você tiver esses atletas dentro do clube, fica mais fácil de controlar e não ter de correr no mercado para adquirir jogadores”, argumenta Damiani. 

Dos 32 jogadores do grupo principal do Atlético, 11 foram formados na base. O destaque do momento é o atacante Alisson, de 18 anos. O canhoto é natural de Cachoeirinha (RS) e foi descoberto por Adriano Martins, ex-observador do Galo no Sul do país. O jovem chegou ao alvinegro em 2019, aos 14 anos. Ano passado, renovou o contrato até o fim de 2027, com multa rescisória de 60 milhões de euros (R$ 323 milhões na cotação atual) para transferências internacionais.

“O Alisson chegou ao Atlético Mineiro por meio do captador Adriano Martins, que já o seguia de perto por algum tempo. Em contato com nosso sócio, André Kovalski, da empresa Mezzala Maestro, que já cuidava do Alisson desde criancinha, o Adriano disse: ‘Vamos levá-lo para o Atlético, ele está pronto para ir’”, conta o ex-goleiro Gomes, atualmente agente Fifa, sócio da empresa Velop Sports e parceiro de Kovalski no agenciamento de Alisson e de outros atletas.

Depois de ser ‘garimpado’ no Sul, Alisson só foi estrear em 2021, por causa da pandemia do coronavírus. Destacou-se pelo sub-17 por duas temporadas e, em 2022, foi promovido ao time principal. Passou a ser relacionado em jogos da Copa Libertadores e do Campeonato Brasileiro. 

Nesta temporada, com o ex-técnico alvinegro Luiz Felipe Scolari, ganhou espaço nos compromissos pelo Campeonato Mineiro. Dos dez duelos no Estadual, foi relacionado para nove, começou jogando em três e entrou no decorrer de outros três. Fez o golaço no empate com o Tombense em 1 a 1 e, no total, esteve em campo por 252 minutos. Tempo suficiente para parte da torcida cobrá-lo entre os titulares.

Até há pouco tempo, Alisson estava do ‘outro lado’, admirando os colegas de alojamento de base no time principal. Agora, chegou sua vez.

“Quando estava na base, via os meninos no time principal como referência. Às vezes, mesmo sem intenção, acredito que me tornei referência para os meninos que estão na base e busco ser exemplo também fora de campo. Para que eles possam seguir sabendo que, com trabalho, humildade e esforço, também poderão estar aqui no profissional”, aconselha Alisson. 

Embora seja incipiente a caminhada de Alisson, o dinamismo e a precocidade do futebol já o colocam como alvo de outros clubes do exterior. Especula-se que o inglês Arsenal estaria de olho. Outros times da Alemanha e Espanha também monitoram o garoto. 

Fato semelhante ocorreu com o também atacante Savinho, que completará 20 anos no próximo 10 de abril. O capixaba de São Mateus, foi observado pelo Galo aos 12 anos. Começou a competir pelo alvinegro aos 15 e, rapidamente, chegou ao profissional, aos 16.

Em junho de 2022, ele foi vendido pelo Galo para o Grupo City por 6,5 milhões de euros (R$ 35 milhões na cotação da época) e manteve 12,5% dos direitos do jogador. Agora, o Manchester City estaria disposto a pagar 40 milhões de euros (R$ 214 milhões) por Savinho, atualmente no Girona-ESP, e recém-convocado para a seleção brasileira principal. 

Savinho e Alisson se conheceram nas categorias inferiores da Cidade do Galo. “Temos uma relação muito boa, torço muito por ele e estou feliz pelo momento que está vivendo. Ele, sim, tornou-se uma inspiração para todos nós, uma referência. Porque saiu do mesmo lugar onde estamos. Buscamos tê-lo como referência porque, se ele chegou, também podemos chegar”, projeta Alisson. 

Política alvinegra

A venda de Savinho, à época, foi questionada por parte dos atleticanos. Os críticos entenderam que o atacante poderia ter ficado por mais tempo na Cidade do Galo para ajudar o time a conquistar títulos. De forma geral, Erasmo Damiani explica que o Galo trabalha em duas frentes quanto ao aproveitamento dos meninos formados no clube. 

“No primeiro momento, o objetivo é formar o atleta para jogar na equipe principal. No entanto, ele também pode gerar um ganho para o clube numa venda. As duas formas são interessantes para o clube”, avalia o dirigente alvinegro.

Damiani aponta, ainda, que o futuro do clube está na manutenção das categorias de base, embora alguns sequer cheguem ao time principal.

“Às vezes, o próprio torcedor pode pensar primeiro na questão do atleta: ‘Mas, se estão investindo x, quais são os atletas que não chegaram ao profissional?’ É gradativo! Não se chega ao profissional da noite para o dia. Temos em torno de 300 atletas de base hoje e não vamos conseguir colocar todos na equipe principal. Então, aqueles que não chegarem ao time principal, poderão ser um ativo que dará ganho ao clube”, argumenta Damiani.

Há dois caminhos para o garoto que sonha vestir a camisa do Atlético. Um deles é o que levou Heitor Dellavy à Cidade do Galo.

“A captação ativa é formulada a partir das visitas dos observadores nos projetos, nas competições, nos parceiros que a gente tem, por meio de avaliações que fazemos em inúmeras cidades espalhadas pelo Brasil”, explica o coordenador de captação alvinegro. 

A outra forma é definida como passiva. “São indicações que recebemos de alguém de dentro do clube ou da comissão técnica, que já tem conhecimento prévio do atleta. Neste caso, o jogador será observado diretamente no grupo e passará por avaliação de sete a 15 dias”, acrescenta Dilettoso. 

Aproveitar a força alvinegra em Minas Gerais

O Atlético conta atualmente com oito observadores técnicos. Quatro estão sediados em Belo Horizonte, um na Bahia, um em Santa Catarina e outros dois nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. 

“Os profissionais de Belo Horizonte rodam todo o Estado. Temos um em Salvador e outro em Florianópolis, responsáveis por suas regiões (Nordeste e Sul). Há mais dois que ficam em São Paulo e no Rio. Isso porque, estudos apontam que são os dois Estados que mais cedem jogadores para as Séries A e B do Brasileiro, bem como para as seleções brasileiras. Por isso, estamos olhando com muita preocupação também para esses mercados”, explica Dennys Dilettoso, coordenador de captação do Galo. 

Além disso, aponta Dilettoso, o Atlético quer aproveitar a importância que o clube tem em Minas Gerais para ampliar a abrangência regional na observação de atletas. 

“Estamos tendo uma preocupação muito grande com Minas Gerais, em aproveitar o tamanho da nossa camisa e a identificação dos nossos torcedores locais com o clube para que a gente possa, de fato, chegar primeiro em todas as cidades, em todos os cantos e projetos. Até pela identificação dos próprios meninos que vêm para serem avaliados ou para aqueles que estejam no clube. Isso é para que eles enxerguem o tamanho e a grandeza do Atlético, para que eles queiram crescer e estar cada vez mais aqui dentro. Essa identidade e essa proximidade familiar serão cada vez mais importante para usarmos a nosso favor”, justifica Dilettoso. 

Plataforma para envio de vídeos

O Atlético fez parceria com a plataforma DSFootball, por meio da qual os atletas podem enviar vídeos para que o clube faça uma pré-seleção.  

O Atlético fez parceria com a plataforma DSFootball, por meio da qual os atletas podem enviar vídeos para uma pré-seleção. No entendimento de Dennys Dilettoso, trata-se de meio democrático e mais abrangente para buscar talentos. 

“A gente recebe indicações por meio da plataforma da DSFootball e temos um material padrão. A plataforma já tem desenhado quais são os pré-requisitos e os desejos de perfis dos jogadores, de acordo com as faixas etárias. Eles disponibilizam esse material para nós e fazemos um novo filtro para direcionamento dos atletas, dentro dos nossos tipos de avaliação”, esclarece o coordenador de captação.