Precoupação

Concussões voltam a ganhar destaque após novos casos e regra do Brasileirão

Recentes declarações de atletas e casos marcantes mostram que a preocupação da CBF não é em vão

Por O TEMPO Sports
Publicado em 18 de abril de 2024 | 22:53
 
 
Atendimento médico em jogo de futebol Foto: Staff Images / Cruzeiro

Em um contexto recente de crescente preocupação com os danos longevos das lesões cerebrais, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) implementou um novo protocolo de concussão no Campeonato Brasileiro das séries A e B. O mecanismo conta com uma substituição extra, que será colocada em prática caso o atleta, após ser avaliado, não esteja preparado para retornar ao campo.

Na primeira rodada do Brasileiro, Marlon Freitas, do Botafogo, foi o primeiro a usar o novo recurso. Na partida contra o Cruzeiro, o atleta sofreu uma concussão, tentou continuar no jogo, mas teve que ser retirado de campo. Matías Viña, do Flamengo, e Adriano Martins, do Atlético-GO, sofreram um choque em uma dividida de cabeça. Esses jogadores também não conseguiram seguir na partida.

A recorrência das concussões é algo que persegue o futebol e outros esportes. Recentes declarações de atletas e casos marcantes mostram que a preocupação da CBF, colocada em prática através do protocolo de concussões, não é em vão.

Caso Varane

Recentemente, em entrevista ao jornal L’Équipe, da França, o zagueiro Raphaël Varane, do Manchester United, revelou que sofreu concussão dias antes de jogar na derrota da França por 1 a 0 para a Alemanha nas quartas de final da Copa do Mundo de 2014. O atleta também disse que passou por situação parecida em seu ex-clube, o Real Madrid, quando esteve em campo na derrota para o Manchester City nas oitavas de final da Liga dos Campeões de 2020. O francês ainda ressaltou que perdeu alguns jogos da atual temporada por sintomas de concussão.

O intuito de Varane ao conversar com o jornal foi alertar sobre os danos causados por algumas ações realizadas no futebol, principalmente a do cabeceio. Segundo pesquisadores da Associação de Futebol da Inglaterra (FA), a repetição desse movimento gera um risco maior de comprometimento cognitivo ao longo da carreira dos jogadores.

“É muito difícil a gente prevenir uma concussão, até porque ela, no futebol, geralmente é um ato inesperado. Quando o atleta do futebol sofre uma concussão, normalmente é com cabeceio ou batendo a cabeça contra o solo. Existem vários protocolos que aplicamos para vermos a gravidade dessa concussão. Em média, o atleta fica afastado sete dias das atividades esportivas. Em casos mais graves, pode ficar fora de 15 a 30 dias. No futebol, o padrão é de concussões mais leves”, analisa o médico do Internacional, Juliano Blattes.

De acordo com estudo publicado na revista The Lancet Public Health em 2023, atletas de futebol de elite apresentam 1,5 vezes mais chances de desenvolver doenças neurodegenerativas em comparação ao restante da população. 

Segundo o coordenador médico do Botafogo, Rodrigo Brochetto, os danos para os jogadores podem se alastrar caso o problema não seja tratado da maneira correta, levando a pioras significativas do quadro. 

“Atletas que sofrem concussões sucessivas e que, principalmente, não fazem o tratamento adequado, têm maior risco de apresentar, no futuro, uma doença chamada encefalopatia traumática crônica, que causa uma degeneração progressiva, levando à alteração de comportamento (agressividade) e demência”, pontua o médico.

Mas a preocupação com as concussões não se limita ao futebol, já que outras modalidades possuem características muitas vezes até mais agressivas do que as do esporte bretão.

Perigo no ringue

No mundo da luta, as lesões acontecem corriqueiramente. Seja no octógono ou no tatame, os atletas desse esporte são expostos continuamente a golpes na cabeça. Casos como o de Muhammad Ali, que teve lesões cerebrais ao longo da carreira, são comuns de se achar. Como outros atletas do segmento, o pugilista chegou ao fim da vida com sequelas evidentes na fala e no movimento.

Recentemente, declarações de Ronda Rousey, principal estrela da história do MMA feminino, revelou que os perigos vividos por Ali e outros lutadores continuam no cotidiano dos atletas da modalidade.

De acordo com a lutadora, em seu combate de novembro de 2016 contra Holly Holm, uma concussão sofrida antes da luta a deixou aquém de suas capacidades cognitivas. A derrota neste dia marcou o fim da invencibilidade de Ronda nos ringues.

Voltar ao octógono não foi tarefa fácil para a atleta, que tentava retomar 100% de sua saúde. De acordo com o médico do time profissional do Cuiabá, Jhone Pereira, o protocolo para o retorno de esportistas que sofrem com traumas na cabeça, conhecido como SCAT-6, é fundamental para o processo de recuperação total.

“O protocolo SCAT-6 prevê retorno gradual às atividades, com etapas diárias que devem ser atingidas. Se, por acaso, em um dia o atleta não atingir o previsto, damos um passo atrás, e o tempo demora um pouco mais. A quantidade de dias para retornar vai depender da gravidade, do exame inicial e, principalmente, do comportamento físico, clínico e cognitivo ao longo da recuperação “, explica o médico. 

Ronda ainda tentou competir em 2016, mas novamente foi nocauteada, dessa vez por Amanda Nunes. Após esse episódio, a americana decidiu se aposentar precocemente, aos 29 anos.

No futebol da bola oval

Concussões e futebol americano estão normalmente relacionados. Na maioria dos casos, pancadas e divididas entre jogadores podem gerar lesões sérias. Como no caso do futebol e do UFC, as lesões cerebrais são assunto recorrente despertando debates quanto à natureza da NFL.

Em 2022, o quarterback do Miami Dolphins, Tua Tagovailoa, cogitou sair do esporte mesmo estando em seu primeiro ano de liga. As motivações do atleta foram justamente duas concussões sofridas por ele, que o fizeram perder algumas partidas da equipe naquela temporada. A gravidade das lesões colocaram dúvidas quanto à continuidade de sua carreira. 

Para Flávia Magalhães, médica pós-graduada em fisioterapia traumato-ortopédica e fisiologia do exercício, a exposição frequente aos impactos pode acarretar em uma não recuperação total de uma lesão cerebral.

“Por estarem continuamente expostos ao risco de concussão, os atletas estão mais vulneráveis a lesões repetidas quando não se recuperam totalmente de uma concussão anterior e, mesmo após a recuperação, os atletas são de duas a quatro vezes mais propensos a sofrerem outra concussão em algum momento”, explica a médica.

Um caso comum nesse cenário, segundo a especialista, é a ocorrência da encefalopatia traumática crônica (ETC), que representa a consequência a longo prazo de traumatismos cranioencefálicos (TCE), situação normalmente relacionada a jogadores de futebol americano.

“Esse traumatismo é reconhecido como uma causa importante de declínio cognitivo em pacientes com repetições por longos períodos, como no boxe ou futebol americano. Nesses casos, os pacientes apresentam alterações neurodegenerativas estruturais, incluindo atrofia cortical, semelhante às alterações no Alzheimer”, diz Flávia, que já trabalhou na seleção brasileira feminina de futebol.