Talento e força

Boxe: Pandemia não tira foco de Bia Ferreira para seguir sequência de pódios

Atleta é uma das grandes esperanças de medalhas para o Brasil na Olimpíada; ela soma 24 presenças no pódio nos últimos 25 torneios disputados

Por Daniel Ottoni
Publicado em 21 de setembro de 2020 | 06:30
 
 
Bia tem trajetória recente de muito sucesso nos ringues internacionais bia boxe - Jonne Roriz COB

O período atual da boxeadora brasileira Bia Ferreira, sem a realização de torneios oficiais, pode ser comparado com o ano de 2015, quando ela foi proibida de disputar qualquer torneio por dois anos. Nas duas situações, Bia teve que focar todas suas atenções no treinamento. A diferença é que enquanto agora ela é considerada uma das atletas mais fortes do planeta, na oportunidade de alguns anos ela ainda era tida como um grande talento, com muito potencial para ser explorado. 

Há cinco anos, Bia foi disputar competição e acabou sendo punida por uma regra da Associação Internacional de Boxe Amador, que impedia que qualquer atleta tivesse participado de torneios de outra modalidade. A presença de Bia em evento de muay thai pesou contra ela, que soube lidar bem com toda a situação para dar a voltar por cima. 

"Ali, a gente já via talento nela. Mesmo com a sua desqualificação, a convocamos para a seleção e pedimos sua liberação para lutar. Em 2016, ela participou da nossa equipe olímpica como reserva da Adriana Duarte, viu de perto todo o ambiente de uma Olimpíada, fez o training campo com atletas da Irlanda e Estados Unidos. Ela já estava sendo desenvolvida para quando o momento da liberação chegasse", comenta o técnico da seleção Mateus Alves.   

Mateus lamenta a pandemia, que freou um planejamento para que Bia chegasse aos Jogos de Tóquio no auge da sua carreira, com chances reais de medalha. "O prejuízo foi grande, ela é atual campeã sul-americana, do Pan e Mundial, tem medalhado em todos os torneios desde 2017, chegaria no momento ideal da sua forma física na Olimpíada. Agora tivemos que fazer toda uma reestruturação na sua carga de treinamento para que ela chegue bem em 2021", salienta. 

Bia não desanima com a interrupção dos torneios e sabe que tem totais condições de chegar muito bem do outro lado do mundo, com chances reais de medalhar.

"Não penso que isso vai me prejudicar, o lado negativo foi pra todo mundo. Quem treinou mais na quarentena vai sair melhor dessa. Venho treinando forte, mas sei que ritmo de luta é diferente de treino. Depois de um ou dois campeonatos oficiais, estarei pronta novamente. Conto com uma equipe completa que fez meus treinos serem bastante intensos neste período, com simulação de lutas e acho que não vou sofrer muito quando tudo voltar ao normal. A saudade bate mas é questão de tempo pra tudo ser retomado. Em breve, estarei ouvindo o hino nacional em algum pódio", garante a lutadora, que faz parte do projeto 'Elas Transformam', da construtora MRV. 

O planejamento de 2020 era fazer com que Bia viajasse bastante para conseguir importante experiência internacional. Um dos camps aconteceria durante 30 dias na altitude de Bogotá antes do Pré-Olímpico, agora previsto para fevereiro, em cidade a ser definida. Outro treinamento estava programado para acontecer durante 25 dias antes dos Jogos. Até outubro de 2019, ela chegou no pódio de 24 das 25 últimas competições disputadas na carreira. 

Boxe no sangue da família

Bia é filha de pugilista e aos quatro anos, já dava os primeiros golpes na garagem de casa, no bairro da Cidade Nova, em Salvador. Lá, o pai, Raimundo Ferreira, mais conhecido como Sergipe, tricampeão baiano e bicampeão brasileiro, dava aulas para jovens, função que exerce até hoje. 

Durante a pandemia, Bia esteve perto do pai durante vários dias, tendo Sergipe como um sparring de luxo, dando a ele alguns ensinamentos do boxe moderno.

"Deu até pra enjoar de treinar com ele", brinca. "Foi uma troca de experiência bacana, na seleção aprendi muita coisa que passei pra ele. É diferente o que ele me ensinou do que absorvi dentro da seleção. Tentei passar pra ele algumas coisas que ele não conhecia. Ele é de uma geração raiz, sem tanta técnica, o boxe mudou muito desde então, várias coisas novas surgiram. Ele segue dando aulas e tentei passar pra ele algumas coisas que poderiam ser transferidas para os seus alunos", conta. 

Bia agradece por tudo que aprendeu com o pai, certo de que a realidade da modalidade, hoje, é bem diferente de quando começou a carreira e de quando o pai era lutador.

"O boxe era bem raiz nessa época, parecia uma guerra, não se ganhava dinheiro, era mais um hobbie e era preciso ter um outro trabalho. Não tinha como se sustentar do ringue. Hoje em dia, a realidade é outra, temos a tecnologia a nosso favor, materiais de alto nível, muitas facilidades. Meu trabalho hoje é o boxe, só me dedico a isso, recebo para ser uma atleta. O reconhecimento é maior, mas espero que melhore ainda mais em termos de visibilidade, reconhecimento e estrutura", projeta.