Entrevista

Jaque Correa aborda carreira, A2 e expectativa de estreia no América feminino

Treinadora das Coelhinhas conversou com o Super.FC antes da retomada do time no Brasileiro Feminino e de sua estreia pelo clube em um jogo oficial

Por Isabelly Morais
Publicado em 21 de outubro de 2020 | 07:30
 
 
Jaqueane Correa tem 25 anos e vai assumir o time após a demissão de Kethleen Azevedo Foto: Daniel Hott / América

Contratada em agosto deste ano pelo América, a treinadora Jaqueane Correa vive sua primeira experiência como técnica de uma equipe feminina profissional. Formada em Educação Física, a profissional é natural de Juiz de Fora, na Zona da Mata Mineira, e atuava como preparadora física do Vasco antes de receber o convite do clube mineiro. 

Aos 25 anos, a treinadora soma na carreira experiência como jogadora de futebol society, atleta de vôlei por quatro anos, vivências como técnica em categorias de base e escolinhas de futebol masculino. Em entrevista ao Super.FC, Jaque Correa falou sobre o novo desafio, as experiências passadas, a expectativa para a retomada da A2 e muito mais.

No próximo domingo (25), o América vai retomar a disputa do Brasileiro Feminino A2 contra o Foz Cataratas, às 15h, no Sesc Venda Nova. O time fez apenas um jogo na competição, em março, antes da parada pela pandemia. No encontro, venceu o SERC por 6 a 0. Abaixo, confira a entrevista do Super.FC com Jaque Correa, que vai estrear no domingo.

- Como recebeu o convite do América?

No ano passado, estava focada, jogando o Brasileiro Society, quando o Vasco me ligou. Decidi parar. Cheguei ao Vasco em setembro como preparadora física das categorias de base e profissional [feminino]. Quando recebi o convite do América, não era algo que almejava porque não esperava naquele momento. Mas era algo que queria passar um dia, só não imaginava que com essa dimensão. Foi importante me permitir vivenciar isso. O time é muito bom, forte. A gente vem tentando a cada dia construir um trabalho legal, com confiança das atletas.

- Como tem sido o desafio de treinar a equipe?

Em toda a minha trajetória como profissional, eu sempre tentei não me fechar em uma só área para ser uma profissional melhor. Um preparador precisa saber do lado do treinador porque é um mediador de processos também. Por ter passado como treinadora e auxiliar no masculino, isso me fez ter mais autoconhecimento. Eu nunca acho que está bom. O que estou vivendo no América é algo além de profissional, mas como pessoa também. É um desafio imenso gerir um grupo, uma comissão técnica. É algo realizador. Ter que todo dia se desafiar. Ser treinadora não é algo fácil para mim. É um desafio que venho buscando fazer o meu melhor e só vou saber de fato o que estou vivendo com a estreia.

- E que cenário você encontrou no América?

Encontrei um elenco muito bom. Eu já vinha acompanhando o América, desde antes da Kethleen [Azevedo, ex-treinadora do time], também o Cruzeiro e o Atlético. Vi um elenco preparado quando eu cheguei, bem estruturado. O América tem modernizado com uma estrutura muito boa, que é o Sesc [Venda Nova, onde a equipe treina]. 

- Por falar nisso, como tem sido a integração com a Luiza, coordenadora administrativa, e com o Eliney, coordenador técnico?

Com a chegada do Ney, meu coordenador técnico, isso é muito importante. Essa troca diária é importante e temos a Luiza, supervisora, também. Temos planejamento de tudo. Trago essa unificação das áreas porque eu não trabalho sozinha. Eu sempre busco o feedback individual, além do coletivo. O terreno foi bem plantado, tem meninas muito boas. Aqui em Minas tem meninas muito boas, grandes clubes e clubes menores também investindo. O que o América quer pro futuro é construir categorias de base, pensando a longo prazo. Isso pode alimentar o profissional. 

"É um desafio imenso gerir um grupo, uma comissão técnica"

- A sua contratação foi logo após o América anunciar uma nova metodologia para lidar com o departamento feminino. Como essa nova metodologia tem sido vista na prática?

O clube tem a ideia de construir um caderno metodológico do futebol feminino. A gente sabe das particularidades do futebol feminino e um ponto é a interação delas com o futebol e outros esportes. Para minha formação, foi importante ter o vôlei, por exemplo. Até o basquete é transferível para o futebol. Um caderno metodológico é importante para se pensar a formação das atletas. Muitas vezes não é que elas não sabem de algo, elas não foram formadas pra isso. 

- Quais foram os primeiros trabalhos da comissão técnica?

Fizemos um planejamento com o Ney, o que é importante para o norte do que quero construir. Por eu ter sido preparadora, eu entendo que não é o momento de certas coisas. Por exemplo, às vezes estou querendo fazer a transição defensiva, mas a musculatura ainda não está preparada. Posso lesionar a atleta. Imagina se eu não tivesse passado por isso? Então o planejamento e a interação entre os profissionais é muito importante. Eu tenho minhas ideias, poucas coisas que precisamos acertar. Eu me preocupo com os detalhes, que fazem diferença no jogo.

- E como a atletas têm recebido isso?

As atletas tem percebido uma organização dentro da comissão. Os treinamentos têm dado certo dentro do que a gente quer. Com a construção do caderno mercadológico, pode ser mais importante ainda para alinhar. Temos atletas de formação, de 16 anos, e estamos ali para dar suporte não só a elas, como também para as mais velhas, que talvez não tiveram uma formação adequada de estímulos, de conceitos. Estamos pensando no grupo e buscamos uma interação da comissão com as atletas.

 

- O que destaca de novo que trouxe para o time?

Uma coisa que quis fazer aqui quando cheguei foi experimentação. Uma coisa que consegui fazer e venho construindo com as atletas é dar experimentação a outras posições de acordo com as características das atletas. Hoje, tirando algumas que têm característica mais raiz, troquei atletas de posição treinando e deu muito certo. Deu certo pra mim, pra elas, e elas gostaram. Essa diversidade na formação foi bem positiva.

- Como tem se preparado para a retomada da A2, estudado a competição e adversários do América na primeira fase?

O América começou bem. O placar não diz nada, mas o América jogou bem. Já assisti alguns vezes esse primeiro como outros do time também para ver o que posso colocar em prática. Vamos colocar no time o que vejo de necessidade de melhorar. Tive uma ideia com o Vasco de como é a A2, fizemos um jogo com o Goiás e também dei uma estudada na nossa chave lá. Aqui também estou vendo jogos dos advsersários. Tenho visto vários. A gente vai pegando também referências com algumas pessoas sobre as equipes também.

- Acredita que o trabalho nessas primeiras semanas possa ser visto já na retomada da A2?

Eu já venho estudando os nossos adversários. Acho que no primeiro jogo a gente já consegue fazer algo de acordo com as características que temos. Então já direcionando os treinos para esse jogo de retomada e a cada jogo vamos construindo isso até para ter diversidade. 

"É importante ter mulheres lutando pelo futebol feminino, porque como mulher você inspira outras"

- Como avalia o elenco hoje?

Temos um elenco bom. Temos pensado em nomes pra reforçar a equipe, o elenco não está fechado. Perdemos algumas atletas durante a pandemia, mas temos estudado o mercado para trazer atletas que possam compor o elenco, mas sem perder a essência do time. Com a pandemia, alguns clubes tiveram perdas por lesão, então estamos tendo esse cuidado. Aqui, ainda não tivemos perdas por lesão, por isso temos nos atentado à parte física nas primeiras semanas.

- O Mineiro Feminino ainda está em fase de definição, mas pode ter um calendário em conflito com a A2. Como projeta a disputa das duas competições de forma simultânea?

O Estadual daqui é muito forte. Temos o Cruzeiro quem chega da A1. O América com um trabalho em construção, assim como o Atlético. Acho que vai ser um Mineiro muito bom, competitivo. Com o coronavírus, tem o investimento. Os clubes da A2 e A1 já estão sendo testados, mas temos que ver as outras equipes também. Jogar seguro é mais importante do que jogar. Esse vírus não é brincadeira. Isso é importante e a gente já imaginava que poderia cair junto no calendário. O planejamento, se isso ocorrer, vamos fazer, para que a gente jogue bem. O Mineiro pode ser melhor que nos anos anteriores. Ele vem bem forte. 

- Pode me dizer um sonho profissional que você tem?

Tenho sonho de ir para a seleção, mas antes disso, quero ir para um clube em experiência internacional. E seleção, todo profissional quer chegar.

 

- E uma referência profissional?

De mulheres, a Marta. É um símbolo nacional. De treinadoras, temos espelhos, como a Tatiele [Silveira, técnica da Ferroviária] e a Pia [Sundhage, técnica da seleção feminina], uam referência imensa. Ela tem construído um trabalho incrível no Brasil.

- Como vê o baixo número de mulheres treinando times femininos no Brasil atualmente?

A gente tem poucas. Acho que falta qualificação profissional, mas também oportunidades. Tem muitas mulheres de muita qualidade, mas não tem oportunidade. Falta esse espaço. Não só de treinadora, mas na comissão. Quando cheguei no Vasco, nunca tinha tido mulher na comissão lá. Isso vem sendo construído, de comissão com mulheres. É importantíssimo, e algo que o América trouxe. Além de mim, tem a Talita, auxiliar. É importante ter mulheres lutando pelo futebol feminino, porque como mulher você inspira outras. Quando estive no Vasco, tive uma atleta de 30 anos que chegou para mim e disse que queria seguir no futebol, que tinha meu trabalho como referência. Isso é fundamental.