Preocupação

Estado suspende incentivo

Governo parou de homologar os termos de compromisso da lei que fomenta o esporte em Minas; projetos estão fechando as portas

Thiago Nogueira
21/05/19 - 08h00

Das categorias de base até as de alto rendimento, de projetos sociais às atividades recreativas, o esporte mineiro pede socorro. O desenvolvimento técnico de atletas e o fomento de práticas esportivas em Minas Gerais estão seriamente ameaçados com a decisão do governo do Estado de suspender a homologação de termos de compromisso da Lei Estadual de Incentivo ao Esporte. Em cinco anos, o programa já aportou quase R$ 65 milhões em 274 projetos, beneficiando 176 mil pessoas.

Desde o início de março, projetos com recursos captados, ou seja, que já encontraram empresas patrocinadoras, não conseguem receber os valores. O prejuízo é iminente, já que boa parte das iniciativas consolidadas está com a verba no fim ou até já fechou as portas. A situação atinge jovens promessas, eventos esportivos e atividades no contra turno escolar, como o projeto do Instituto Brasileiro de Excelência no Esporte (Ibeec), realizado na Vila São Paulo, região carente de Contagem.

“O programa está parado desde janeiro por falta de recursos. São 150 crianças, de 7 a 14 anos, que aprendem vôlei e futsal. Estávamos no quinto ciclo do programa, em uma área de vulnerabilidade, que chegou a ser chamada de Cracolândia de Contagem”, destaca o diretor-presidente do instituto, Eduardo Moreira. Em Elói Mendes, no Sul de Minas, um projeto de 14 anos está com os dias contados. “São 450 crianças e adolescentes de 6 a 17 anos. É preocupante a situação. Se o governo não abrir mão, vou ter que parar, colocar essas crianças na rua. Já tenho a empresa para o convênio, falta o aval do governo”, ressaltou Ricardo Xavier.

Entenda

A Lei de Incentivo permite que empresas deduzam até 3% do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação (ICMS). Mas, há dois meses, elas estão impedidas de destinar o imposto ao esporte. “O governo não pode, simplesmente, em um ato isolado, cancelar a lei. Ele criou uma forma que as entidades não conseguem firmar o termo de compromisso, tirou a funcionalidade do sistema. Eles continuam arrecadando nos caixas do governo e o esporte fica sem recurso”, ressaltou o gestor de projetos incentivados Kellyson Salgado. A homologação dos termos de compromisso foi suspensa pela Subsecretaria da Receita Estadual (SRE), por determinação da alta cúpula do governo Zema, conforme documento obtido pelo SUPER FC. As análises dos termos estão paradas, sem data para recomeçar.

A planilha do programa, atualizada em 23 de março, mostra que há 356 projetos em fase de captação, aptos a conseguir os recursos, ou em período de análise, dentro do prazo de validade, que ficam impedidos de irem adiante. Juntos, eles atenderiam 148 mil pessoas em 122 cidades do Estado, um montante próximo de R$ 89 milhões (veja detalhes ao lado). Mas, como existe um teto de 0,05% da receita líquida anual do ICMS para a Lei de Incentivo, a estimativa é que R$ 18 milhões possam ser destinados aos projetos em 2019. Assim, as entidades que forem mais rápidas na captação conseguem garantir os recursos. Na lei estadual, cada projeto pode captar até R$ 300 mil, dinheiro normalmente usado no pagamento de funcionários e na locação de espaços.

Resposta

Procurada, a Subsecretaria de Esportes, hoje vinculada à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social, não explicou por que as homologações dos termos de compromisso foram suspensas pela pasta após determinação da SRE. Ela se limitou a dizer que os recursos serão liberados à medida que os processos forem analisados e aprovados. “O montante dos recursos disponibilizados para o incentivo ao esporte não poderá ultrapassar 0,05% da receita líquida do ICMS do ano em exercício. Para 2019, esse teto é de R$ 18 milhões, valor que será liberado à medida que os processos forem devidamente analisados e aprovados. Assim, a Subsecretaria de Esportes está dando continuidade à elaboração de editais, análise e acompanhamento de execuções de projetos e reuniões de aprovação de projetos mensalmente”, disse, em nota.

Profissionais

O impedimento para a liberação da Lei Estadual também atinge profissionais. O piloto mineiro Sérgio Sette Câmara é um deles. Serginho, que corre na Fórmula 2 e é piloto de testes da McLaren, na F-1, teve parte da carreira alavancada graças aos projetos incentivados. Por meio de sua assessoria de imprensa, o piloto disse entender a situação financeira que o Estado passa, mostrando-se grato pelos anos em que usufruiu dos recursos. A Cemig e a Gasmig são algumas das empresas que apoiam o piloto via lei estadual. O carateca Rafael Nascimento, de Patos de Minas, um dos destaques da nova geração do Time Brasil, também tem projeto na fila, assim como as equipes profissionais do Galo Futebol Americano e do Lavras Vôlei, da Superliga B.

Futebol e clubes especializados também estão de mãos atadas

A decisão do governo de suspender a homologação das assinaturas dos termos de compromisso da Lei de Incentivo paralisa projetos de clubes grandes e estruturados, tanto no futebol como no esporte especializado. América, Atlético e Cruzeiro têm projetos para as bases e para o futebol feminino, que somam quase R$ 2,5 milhões em recursos. Minas Tênis Clubes, Mackenzie, Olympico, Sada Cruzeiro, Unifemm Sada Vôlei e Uberlândia Vôlei, entre outros, também estão com o planejamento prejudicado pela decisão do governo.

O Sada NEEV Argos, que tem projetos para equipes de voleibol nas categorias sub-14, sub-15 e sub-16, só consegue se sustentar até o meio do ano. Se não houver uma solução para o repasse nos próximo dias, 60 meninas vão parar de treinar, entre elas Nicole, Juliana e Isabela, de 15 anos, convocadas para a seleção brasileira da categoria para um período de treinamento em Saquarema, no Rio, em Janeiro deste ano.

“No ano passado, nossas três equipes foram campeãs metropolitanas. O sub-15 conquistou o Estadual e o sub-16, o vice-campeonato brasileiro de clubes. Estamos com um projeto para criar o sub-17, que depende da liberação do governo para sair do papel. Seriam mais de 20 garotas atendidas”, explica Antônio Carlos Mota, coordenador do projeto Sada NEEV Argos, que fica em Contagem.

Barbacena, no Campo das Vertentes, não tinha futebol de base havia 13 anos, mas, em 2018, o Olympic Club conseguiu colocar de pé o projeto, que conta hoje com 90 meninos, de 11 a 17 anos. O ano 1 do projeto se encerra no próximo dia 31. “O dinheiro serve para pagar viagens, disputar campeonatos, comissão técnica, bola, material esportivo. Na semana passada, colocamos 400 pessoas pagando ingresso para ver nosso jogo do Sub-14 da Copa Brasileirinho contra o Guarani, de Divinópolis”, conta o coordenador Guilherme Marchi.

Associações, entidades beneficentes, fundações, federações esportivas, ligas locais e prefeituras também têm projetos na Lei de Incentivo.

Comissão

Os deputados da Comissão de Esporte, Lazer e Juventude da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) foram procurados por entidades e clubes que relataram o problema para a liberação de recursos da Lei de Incentivo. A comissão, inclusive, já questionou as secretarias de Esporte (extinta, hoje vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Social) e de Fazenda, mas, por enquanto, nenhuma delas enviou resposta. Os parlamentares também receberam pedidos de intervenções quanto à realização dos Jogos do Interior de Minas (Jimi), disputado há 35 anos, mais ainda sem sinalização do novo governo.

Federal

Os gestores de projetos incentivados também relatam dificuldades e morosidade na aprovação e na captação de recursos pela Lei Federal de Incentivo ao Esporte. Ela permite que empresas e pessoas físicas invistam parte do que pagariam de Imposto de Renda em projetos esportivos aprovados pela Secretaria Especial do Esporte do Ministério da Cidadania. As empresas podem investir até 1% desse valor e as pessoas físicas, até 6% do imposto devido. A tramitação de processos ficou prejudicada por causa da troca de governo e a nomeação de novas pessoas para as funções, o que atrasa a liberação de recursos captados.

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