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Tropa do Urso vira alvo da polícia em Ribeirão das Neves

Grupo suspeito de dominar o tráfico de drogas é investigado por série de mortes no município

Por Super Notícia
Publicado em 15 de março de 2024 | 05:00
 
 
Organização criminosa realiza tribunal do crime em Ribeirão das Neves Foto: PCMG / Divulgação

Uma casa com quarto, sala, cozinha, banheiro e teto de amianto na rua Santa Filomena, no bairro Santa Paula, em Ribeirão das Neves, na Grande BH, hoje está vazia. No local, onde agora impera o silêncio, há poucos meses o que se ouviam eram gritos e pedidos de socorro. O imóvel simples e aparentemente fora de qualquer suspeita é apontado pela Polícia Civil de Minas Gerais como o cativeiro utilizado por um grupo criminoso ligado ao tráfico de drogas para realizar uma espécie de tribunal do crime: no local, desafetos eram torturados e mortos pelo bando, que se denominava “Tropa do Urso” – nome inspirado em uma facção criminosa do Rio de Janeiro.
 
A reportagem do Super Notícia teve acesso com exclusividade às investigações da corporação sobre o possível envolvimento do grupo criminoso mineiro – formado por dez homens e uma mulher – em uma série de assassinatos com requintes de crueldade . Todos os seis crimes ocorreram em um intervalo de apenas 27 dias, em outubro do ano passado, e os corpos das vítimas apresentavam características parecidas: marcas de tortura ou haviam sido carbonizados, o que chamou a atenção dos investigadores.
 
“Esse grupo é perigoso. Eles têm o hábito de usar casas da região para realizar tribunais do crime. Quem mora perto desses imóveis escutava sempre pedidos de socorro de pessoas que estavam sendo ‘julgadas’ por eles”, explica o delegado Marcus Rios, da Delegacia de Homicídios de Ribeirão das Neves, que há quatro meses investiga a facção.
 
Veja imagens de dentro da casa obtidas pela reportagem do Super:
 

 
 
O bando se tornou alvo da Polícia Civil após o assassinato de dois homens, de 25 e 29 anos, no dia 15 de outubro do ano passado. Segundo as investigações, as vítimas foram sequestradas e levadas para o cativeiro. Depois de torturadas e mortas, tiveram seus corpos abandonados em um matagal no bairro San Marino, onde foram carbonizados.
 
Prisão
 
No último dia 27 de fevereiro, a corporação concluiu as investigações desse crime. Quatro suspeitos, identificados como Davidson William da Silva, o Magrão; Fernando Nunes Cordeiro dos Santos, o Beiçola; Matheus Sena de Jesus, o Sena; e Samara dos Santos de Almeida, a LK, foram presos. Na operação, o homem identificado como “Urso”, apontado pela Polícia Civil como o chefe do bando, conseguiu escapar com a ajuda de comparsas.
 
O delegado Rios conta terem sido várias as motivações do duplo homicídio. “Um (motivo) deles é ciúmes, uma vez que uma das vítimas tinha relação com uma ex de um dos indiciados. Tem motivação patrimonial também, pois um dos indiciados praticou um roubo com essa mesma vítima e não queria fazer a partilha adequada do produto do roubo. Além disso, ambas as vítimas estavam envolvidas com o tráfico de drogas na localidade dominada por esse grupo”, afirma.
 
A elucidação do duplo assassinato foi o ponto de partida para a polícia relacionar a Tropa do Urso a outros quatro homicídios, todos com características parecidas. “Os ‘juízes’ eram 11 integrantes da alta cúpula do bando. Eles promoviam torturas físicas e psicológicas. Sempre levavam as vítimas para o cativeiro. Durante o interrogatório, elas apanhavam, por horas ou dias, com pedaços de madeira ou ferro, e tinham partes dos corpos retalhadas por facas ou outro tipo de material cortante”, conta uma fonte da investigação.
 
Os 11 suspeitos já foram indiciados pela Polícia Civil por homicídio triplamente qualificado – motivo torpe, tortura e meio que dificultou defesa.
 

Defesas

Procurada pela reportagem, a Defensoria Pública, que representa Davidson da Silva, Fernando dos Santos e Matheus de Jesus, informou que só se manifestará nos autos do processo. Já a advogada que representa Samara de Almeida disse que não iria se pronunciar. O advogado do indiciado conhecido como Careca, informou que não há provas contra seu cliente. As defesas dos demais envolvidos não foram localizadas.
 

Clima hostil

O delegado Marcus Rios contou que a polícia chegou à casa utilizada como cativeiro depois de testemunhas contarem que era comum ouvir gritos e pedidos de socorro no local. Vídeos do imóvel a que o Super teve acesso mostram que algumas portas e janelas da casa foram cobertas por tijolos e cimentadas. A suspeita dos investigadores é que isso tenha sido feito para abafar o barulho interno.
 

Grupo pintou o cativeiro para esconder provas

As investigações da Polícia Civil de Minas Gerais apontam que, para não deixar vestígios de sangue de vítimas na casa utilizada como cativeiro, os suspeitos limpavam e ainda pintavam as paredes do imóvel. 
 
Dessa forma, de acordo com uma fonte ligada ao inquérito, o trabalho de perícia no local foi mais complicado, uma vez que a tinta dificulta a aplicação do luminol, produto utilizado para realçar marcas de sangue que não podem ser vistas a olho nu. “A perícia precisou raspar as paredes do imóvel, e, após o trabalho, o produto revelou os tons da barbárie. Havia manchas de sangue em vários locais da casa”, revela a fonte.
 
Técnica
 
Coordenadora da Rede Mineira de Ciências Forenses, Clésia Nascentes afirma que, mesmo com formas de encobrir as manchas de sangue, uma perícia bem-feita consegue descobrir sangue em locais de crime.
 
Ela explica que o sangue reage ao luminol em uma oxidação na qual é emitida uma luz azul fluorescente. “Como a reação apresenta uma grande sensibilidade, é capaz de detectar quantidades mínimas de sangue, mesmo após a limpeza aparente de um local de crime”, afirma