Abertura

Admirável mundo novo na cena cubana

Com disponibilidade de Wi-Fi hoje, Havana entrou de vez na rota turística; só no ano passado, o país recebeu 4,7 milhões de visitantes e, em 2018, espera chegar a 5 mi

Sáb, 10/02/18 - 02h00
La Bodeguita del Medio era um dos bares prediletos do escritor Ernest Hemingway | Foto: Bruno Barreto/divulgação

“Aqui jamás estuvo Hemingway” (“Hemingway nunca esteve aqui”), lê-se na entrada do El Chanchullero, bar moderninho de Havana, cuja placa denota mais do que uma pitada de ironia. Enquanto os turistas ricos fazem fila para entrar nos tradicionais El Floridita e La Bodeguita del Medio (espécies de santuários de Hemingway, que morou na ilha por 20 anos), cubanos e estrangeiros mais antenados pagam bem menos pelos coquetéis daquele balcão alternativo, aberto a partir das mudanças econômicas promovidas pelo governo cubano nos últimos anos, criando oportunidades para negócios privados.

É que desde que assumiu o poder em 2006, Raúl Castro vem implementando uma transformação silenciosa no país que recebeu de Fidel – é o que chama de “atualização do modelo socialista”. De forma cada vez mais acelerada, são outros tempos em Cuba.

Os reflexos dessa mudança são sentidos profundamente no turismo – há sempre um ou dois navios de cruzeiro atracados no porto. Foram 4,7 milhões de visitantes em 2017 (16,5% sobre 2016), grande parte atraída pelo anúncio do restabelecimento das relações com os EUA em 2014, informa o Ministério do Turismo cubano. Para 2018, a expectativa é elevar o número a 5 milhões.

Chegada do Wi-Fi

Outro fator importante para a alavancada e para o novo cenário: há dois anos, o governo de Cuba passou a espalhar pontos públicos de Wi-Fi por Havana. Já são mais de 240 em praças, parques, jardins e hotéis, a R$ 6 por uma hora de uso. Ao anoitecer, o que sê vê lá são ruas cheias de rostos iluminados por telas de celular – reflexos da globalização.

Nesse meio tempo, a ilha recebeu a visita de Obama, o show dos Rolling Stones e todos os filmes da série de James Bond. Em 2017, o site de aluguel por temporada Airbnb entrou em operação para todo e qualquer viajante. A expansão aumenta as opções para quem busca alojamento em casas particulares e não só nos hotéis estatais, ainda maioria em Havana.

“Vou ter acesso à internet?” é a primeira pergunta dos hóspedes, que ficam felizes quando respondemos ‘sim’”. Mas ainda não é permitido acessar tudo”, conta o estudante Luis Aneiros, 21, que, há três meses, abriu com o pai um hostel em Vedado, um dos bairros mais disputados por turistas na capital.

Mas o salário mínimo não passa de US$ 30 e, a despeito dessa nova e conectada Havana, para muitos a abertura à economia de mercado e o acesso à internet ainda não são a solução de todos os problemas.

Médico e guia 

“Apesar de vivermos tranquilos, com justiça social, segurança, educação de qualidade e saúde universais, sofremos com as mesmas questões do resto do mundo, como o desemprego”, diz um médico, que, para aumentar a renda, também trabalha como guia.

Havana, diria o escritor cubano Leonardo Padura (“O Homem que Amava os Cachorros”), é um berço de contradições, com “o passado e presente entrelaçados pela arquitetura colonialista e pela abertura ainda parcial com o restante do mundo”. Padura teve sua obra adaptada para uma série (“Quatro Estações em Havana”) lançada pelo Netflix há um ano. Ele começou a ver a adaptação de seu livro na Espanha.

 

[entrevista olho] As mudanças silenciosas de Raúl Castro, desde 2006, beneficiam turistas, mas ainda não refletem na qualidade de vida dos cubano [/entrevista olho]

 

Ideias novas e ousadia no gastrô e na vida noturna

Havana está empenhada em saltar no tempo e redefinir sua programação noturna e experiência gastronômica, alinhando-se cada vez mais à agenda internacional. Duas boas investidas são o restaurante El Cocinero e a FAC, Fábrica de Arte Cubano (com “o” mesmo), instalados em 2014 no prédio de uma antiga fábrica de óleo dos anos 30.

Ideal para o jantar, o El Cocinero se destaca pelas receitas internacionais com ingredientes da ilha. Fica no alto do prédio de tijolos aparentes erguido no século XIX, às margens do rio Almendares, entre os bairros de Vedado e Miramar. Tem um terraço disputado e drinks um pouco mais caros que no restante de Havana. Entre os pratos (cerca de R$ 60), um dos mais pedidos é o espaguete com frutos do mar.

Na mesma calçada está a Fábrica de Arte Cubano, um imenso embrião de arte contemporânea local onde acontece de tudo: cinema, música, dança, teatro, artes visuais, literatura, fotografia, moda, design gráfico e arquitetura, além de um bar a cada 5 m, todos muito bem-abastecidos. A FAC é cheia de entradas e saídas, muito bem-iluminada e frequentada por turistas e cubanos. Verdadeira multidão eclética.

“Somos um projeto artístico impulsionado pela necessidade de resgatar, apoiar e promover o trabalho de milhares de artistas cubanos de todos os ramos”, define o hostess X Alfonso, um dos mais respeitados músicos da nova geração em Cuba, de uma dinastia musical muito conectada, que sempre defendeu ideias novas e ousadas na ilha. Ele conta que se baseou em locais similares que viu na Europa.

 

Inferninho descolado, hotel histórico e clube de jazz

Se ainda tiver fôlego, depois da FAC (que termina por volta das 2h), um inferninho descolado chamado King Bar, também em Vedado, funciona até bem mais tarde. Abriu em 2015 com foco na música latina e, claro, doses cavalares de rum atravessando o pequeno salão em bandejas de um lado a outro.

No centro, atrás do Capitólio, a luz que não se apaga é a do Sia Kará, um novo café agitado e de decoração curiosa (uma cortina de gravatas), que serve caipivodca, “mariquitas” (fritas feitas de plátanos com alho) e pratos que misturam as cozinhas francesa e cubana. O maior sucesso ali, no entanto, é o piano, à disposição dos clientes que tiverem interesse e dom para tocar até varar a madrugada.

Entre celebridades

Parada obrigatória, o Hotel Nacional de Cuba (o Copacabana Palace de Havana) tem entrada livre, e vale tomar lá um mojito. O lugar conta com tour diário (às 15h) e um mirante, de onde é possível ver Havana, o mar e o Malecón. A imponente construção art déco, de 1930, já recebeu celebridades como o primeiro ministro britânico Winston Churchill, Frank Sinatra e Walt Disney.

Outro hotel famoso é o Habana Libre, o QG da revolução. No segundo andar, há uma parede com fotos de Che Guevara e Fidel sentados no hall. Ao lado, fica a famosa Sorveteria Coppelia, cenário do filme “Morango e Chocolate” (1993), e o La Zorra y el Cuervo, o mais famoso club de jazz cubano, indicado por quem entende do assunto.


Como ir e o que fazer

Aéreo. Pela Copa Airlines, os bilhetes para Havana (via Cidade do Panamá) saem a R$ 2.852,84. Tarifas para março.

Onde ficar

El Cuarto de Tula. Diárias a R$ 136 (casal, com taxas). San Lázaro 1.063. bit.ly/2lpV7Bf
Nacional de Cuba. Diárias a 339 euros. Calle 21 y O, Vedado. hotelnacionaldecuba.com
Hotel Ambos Mundos. Diárias a 178 euros. bit.ly/2lcKNgz

Onde comer

El Chanchullero. Teniente Rey 457A. el-chanchullero.com
El Cocinero. Calle 26, esq. 11, Vedado. elcocinerocuba.com/es
La Bodeguita del Medio. Calle Empedrado, Habana Vieja.
El Floridita. Calle Obispo, s/n

Passeios

Fábrica de Arte Cubano. Calle 26, esq. 11, Vedado. fac.cu
Museu Nacional de Belas Artes. Calle Trocadero, Habana Vieja. http://bit.ly/2Ds0eYN
Museu da Revolução. Av. Bélgica, La Habana

Visto. Informações em: bit.ly/2lnRknI

Vacina. Exige certificado contra febre amarela. bit.ly/2DxeHCJ

Moeda. Há o peso cubano (CUP) e o reversível (CUC) para turistas, com taxas fixadas pelo governo e trocas no aeroporto ou no centro. Leve euros; o dólar é sobretaxado em 10%.

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