Norte de Minas

Bom momento para (re)descobrir o Vale do Peruaçu; saiba como visitar

Parque é candidato à Patrimônio Mundial Natural da Unesco; UFMG retoma escavações no Abrigo do Malhador e encontra restos de alimentos e produção de pigmentos

Por Paulo Campos
Publicado em 12 de março de 2024 | 08:15
 
 
A Gruta do Janelão, onde tudo é grandioso Foto: Acervo Latel-UFMG / Divulgação

Na última semana, uma notícia animou a professora de arqueologia e antropologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Maria Jacqueline Rodet. Ela, a arqueóloga Daniela Klökler e a botânica Rúbia Fonseca foram contempladas pelo projeto Ciências por Elas, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), com R$ 300 mil. A proposta é abrir em julho as escavações do sítio Lapa da Hora, no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu. “Esse é um sítio complexo, com muitas ocupações e estruturas, com sepultamentos e plantas domesticadas”, destaca a pesquisadora, que também coordena desde 2021 a retomada das escavações no Abrigo do Malhador, uma parceria da instituição com a Empresa Brasileira de Agropecuária (Embrapa) e a Universidade de São Paulo (USP).

O Vale do Peruaçu está localizado na bacia do rio São Francisco, no Norte de Minas, numa área de 1.552,3 km², compreendendo os municípios de Cônego Marinho, Jequitaí, Januária, Itacarambi e São João das Missões, a reserva indígena dos Xakriabás e o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu. Além dessa área ambiental, nas cabeceiras do rio Peruaçu existe o Parque Estadual Veredas do Peruaçu, administrado pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF). Entre 1970 e 1990, uma equipe de arqueólogos liderados pelo professor André Prous, da UFMG, realizou uma série de escavações na região e encontraram vestígios de ocupação há 13 mil anos, a datação mais antiga de registro de população no Estado feita pela técnica carbono-14 e aceita internacionalmente. Entre esses vestígios, havia sinais de domesticação de plantas, esqueletos, sepultamentos, estruturas de madeira e palha, tudo preservado devido ao solo rico em calcário.

Visitação no parque

Em 1999, para proteger os sítios arqueológicos, o governo federal criou o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, atualmente administrado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), em acordo de cooperação com o Instituto Ekos Brasil. A área de conservação foi então estruturada com trilhas, mirantes e passarelas e aberta à visitação turística em 2014. Só no ano passado, o parque recebeu mais de 10 mil visitantes. No dia 1º de março, a Unesco, braço da ONU para educação, ciência e cultura, aprovou a candidatura do Peruaçu à Lista de Patrimônio Mundial Natural. O resultado, que só deve sair em 2025, vai gerar mais visibilidade, reconhecimento internacional e investimento.

A visitação ao parque é limitada à área do cânion do rio Peruaçu, que corta o vale e forma grandes cavernas, algumas com 4 km de extensão e 170 m de altura, chamadas cientificamente de “abrigos”. A trilha mais procurada, com 4,8 km ida e volta, leva à gruta do Janelão, onde tudo é grandioso. Com 100 m de altura, a caverna abriga salões com jardins naturais, sob tetos desmoronados e gigantescos espeleotemas. É lá que se localiza a maior estalactite do mundo, a Perna de Bailarina, com 28 m de comprimento, o equivalente a um prédio de sete andares, e pinturas rupestres coloridas com cerca de 12 mil anos. As visitas precisam ser agendadas e são guiadas por condutores do parque. Segundo o guia Joaquim Ângelo da Silva Filho, o “Kinka Leão”, um visitante demora quatro dias para fazer todos os roteiros. Ele recomenda reservar as visitas com bastante antecedência, porque atrativos como o Arco do André, por exemplo, permitem a entrada de cinco pessoas por vez. Os preços variam de R$ 250 (lapas) a R$ 1.000 (todos os passeios).

Depois, há a Lapa Bonita – ornamentada com uma gama variada de espeleotemas, como estalactites, estalagmites, travertinos, helictites, ninhos de pérolas, colunas, cortinas e escorrimentos –, que tem como destaque o Salão Vermelho, todo coberto por sedimentos avermelhados, na mesma trilha da Lapa do Índio. Já a Lapa do Caboclo, importante para os estudos de arqueologia, tem um paredão com uma grande concentração de pinturas do estilo caboclo, exclusivas do Peruaçu. É recomendável que o visitante explore o parque de três a quatro dias, para poder percorrer a trilha do Arco do André/Lapa dos Desenhos, Lapas do Índio/Carlúcio e a Lapa do Boquête, onde foram encontrados alguns sepultamentos.

Nas escavações, a relação com a comunidade também é fundamental. A UFMG mantém ações de extensão, formando guias para visitação ao parque com mão de obra local e participação da comunidade nas escavações para o reconhecimento de sementes e plantas. A primeira turma de guias foi formada em 2023. E, em parceria com o curso de design de moda da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), a pesquisadora e o Laboratório de Tecnologia Lítica da UFMG apoiam a loja comunitária Armazém do Vale, recém-inaugurada na entrada do parque, onde mulheres da comunidade podem vender produtos artesanais relacionados ao parque, como cerâmicas, bordados, chaveiros, colares, cerâmicas com inscrições rupestres e elementos da fauna e da flora locais.

Abrigo do Malhador

Maria Jacqueline Rodet considera importante o ICMBio ter aberto o parque à visitação para dar visibilidade e mostrar a importância desse trabalho. Financiadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), as escavações estão concentradas, atualmente, no Abrigo do Malhador, área protegida por um paredão de pedra de cerca de 100 m de comprimento, 30 m de altura e largura de 6 a 10 m.  “No Malhador, descobrimos que os grupos que viviam no e Vale frequentavam o abrigo estavam produzindo pigmentos. Os sepultamentos retirados estão lotados de pigmentos brancos, amarelos, vermelhos. As fogueiras, rituais, também estavam lá para produzir pigmentos. Por isso é importante que a UFMG tenha retomado esse trabalho”, destaca a pesquisadora.

Localizado na saída do grande cânion do rio Peruaçu, o Abrigo do Malhador ganhou esse nome porque, desde o início do século XVIII, os bandeirantes, após matar e expulsar os grupos que viviam no local, ocuparam a terra com pastos e ali deixavam os bois que utilizavam esses locais abrigados para malhar, ou seja, fazer a digestão. Segundo a arqueóloga, o local guarda sepultamentos de até cerca de 8.000 anos atrás. Foram encontradas mulheres adultas e crianças, uma delas acompanhada de uma serpente – o que diferencia o sítio do Malhado, por exemplo, da Lapa do Boquête, localizada mais no centro do Vale do Peruaçu, onde foram sepultados homens e crianças. Até agora, conta Maria Jacqueline, apenas cinco sítios foram abertos, cerca de 1% de todo o Vale do Peruaçu.

Há cerca de 13 mil anos, enfatiza a professora, os grupos habitavam a região para caçar, coletar, sepultar os mortos e queimar restos de alimentos em fogueiras – ao redor delas foram encontrados coquinhos de palmeiras, castanhas, umbu e restos de ossos de aves. Já há aproximadamente 2.000 anos produziam seus alimentos e cerâmicas, utilizando o abrigo com frequência, mas não como moradia. “Para transformar o barro em cerâmica, precisavam ter conhecimento”, ressalta. Muitos mistérios como esse ainda cercam as escavações: elas podem revelar a existência de outros grupos com hábitos diferentes ou esclarecer dúvidas sobre como grupos ocupavam abrigos, caçavam, moravam, buscavam os alimentos etc. “Temos de descobrir ainda os diferentes níveis de ocupação”, enfatiza.

 

Serviço

Parque Nacional Cavernas do Peruaçu

Onde fica: a sede do parque fica na comunidade do Fabião I, às margens da BR–135, KM 155.
Horário de funcionamento: de terça-feira a domingo, das 8h às 18h.
Entrada: gratuita.
Importante: para acessar os atrativos do parque é necessária a contratação de condutor.
Para saber mais: acesse Parque Nacional Cavernas do Peruaçu.
Como chegar: o acesso até a entrada do parque pode ser feito de ônibus ou carro a partir da cidade de Januária.
De avião: o aeroporto mais próximo é o de Montes Claros, que fica a 200 km da entrada do parque. Há voos regulares da Azul partindo do terminal de Confins para Montes Claros, e a partir de lá é possível ir de ônibus de linha até Januária ou Itacarambi.
De BH/ônibus: é possível chegar a Januária ou Itacarambi.
De carro: partindo de Januária, são 45 km.
Agendamento prévio da visita: pelo e-mail cavernas.peruacu@icmbio.gov.br
Guia e condutores: acesse o Álbum de Condutores.
Preços dos passeios: Gruta do janelão (R$ 250), Lapas do Índio, Bonita, do Boquete e dos Desenhos (R$ 250), Lapas do Carlúcio, doCaboclo e do Rezar (R$ 250), Arco do André (R$ 400) e R$ 1.000 (para fazer todos os roteiros)