Washington

Memória afro na capital norte-americana

Um passeio por cinco cenários em que a história dos direitos civis da população descendente de imigrantes africanos se materializa

Sáb, 11/11/17 - 02h00

O jovem não se contenta em observar a escultura dos atletas olímpicos, uma das peças que mais atraem a atenção no Museu Nacional de História e Cultura Afro-Americana, em Washington. Ele se posta ao lado dela e imita a imagem dos dois norte-americanos que, em 1968, reproduziram no pódio a saudação do grupo Panteras Negras, em protesto contra a discriminação racial no país. Com a cabeça baixa, mão fechada e punho ao alto, o menino espera que o pai bata uma foto e logo sai da pose, para dar lugar a outro visitante, que repetirá seu gesto.

A cena parece ter virado rotina no museu, inaugurado há um ano na capital norte-americana. E é só um exemplo da reação dos espectadores – majoritariamente negros – diante de um acervo que cobre a história afro-americana da era da escravidão até aqui.

Adiante, outro destaque da era da luta pelos direitos civis no país: o vestido de Rosa Parks, a costureira e ativista que, em dezembro de 1955, recusou-se a ceder seu lugar no ônibus a um branco. Entre as centenas de peças do museu, encontram-se as que lembram a contribuição dos negros, por exemplo, na cultura e nos esportes, como as luvas de Muhammad Ali e o Cadillac de Chuck Berry.

Cidade-museu

Mas o novo museu é só um dos lugares de Washington para conhecer o movimento em torno dos direitos civis dos afrodescendentes. Palco de manifestações históricas contra a segregação racial nos EUA, a cidade funciona como um museu a céu aberto sobre o tema. Washington, aliás, é de maioria negra (47,7% de seus 681 mil habitantes, segundo o censo de 2016, contra 44,6% de brancos, entre outros grupos).

A ideia aqui é sugerir cinco pontos de visitação em torno do tema. Até porque, em tempos de governo Trump, aprender sobre direitos civis fortalece o ânimo de quem anda cansado de manifestações de intolerância racial – como a que se viu, em agosto, durante a marcha da direita em Charlottesville, cidade a menos de três horas de Washington.

Nessa sugestão de tour, incluímos dois memoriais, um restaurante/lanchonete e a casa de um escravo que virou figura eminente da sociedade americana.


No National Mall, museu faz sucesso

Três dos cinco pontos selecionados – o novo museu e os memoriais ao presidente Abraham Lincoln e ao reverendo Martin Luther King – estão no coração do National Mall, o enorme parque do centro de Washington, que abriga algumas das mais importantes instituições do país. O espaço recebe mais de 20 milhões de visitantes por ano.

Neste primeiro ano de funcionamento – a inauguração foi em setembro de 2016 –, o museu já chegou a nada menos do que 2,5 milhões de visitantes. É o único do país dedicado exclusivamente a vida, história e cultura dos afrodescendentes.

A exposição tem três seções (histórica, cultural e da comunidade), nas quais a interatividade é recorrente. Do total de 36 mil peças do acervo, 3,5 mil estão expostas. Por si só, o prédio do novo museu Smithsonian se destaca: a construção, de David Adjaye e Philip Freelon, remete a uma coroa, formada por três telas com 3,5 mil painéis da cor bronze. Em dia de sol, transforma-se em um ponto reluzente.

Os ingressos são gratuitos, mas, para este ano, estão esgotados. No momento suspenso, o agendamento online normalmente é aberto no início de cada mês. Mas quem pensa em ir até lá por agora pode fazer outra tentativa: de segunda a sexta, a partir das 13h, são distribuídos passes para o dia no local.


Memoriais Lincoln e Luther King

Lincoln. Se o tema são direitos civis, a visita ao Lincoln Memorial vale por várias. Erguido em 1922, ele celebra a obra do presidente que garantiu a união de um país fracionado pela Guerra Civil e assinou o Ato de Emancipação, que culminou na abolição da escravatura.

Foi ali, em agosto 1963, que Martin Luther King, como um dos organizadores da Marcha sobre Washington – eram mais de 250 mil pessoas pedindo emprego, liberdade e fim da segregação racial –, fez o discurso que marcou toda uma era. A famosa frase “I Have a Dream” está gravada na escadaria do memorial, no lugar em que King a pronunciou. Inspirado em um templo grego, o monumento tem 30 m de altura e 36 colunas que correspondem aos 36 estados que os EUA tinham quando Lincoln morreu, em 1865.

Luther King. O Martin Luther King Jr. Memorial, em meio aos jardins do National Mall, pode parecer inacabado pelo tipo de corte na pedra de onde sai sua imagem. Não está. E, para muitos, a forma como a escultura foi trabalhada mostra que a luta pelos direitos civis ainda está em processo. A obra está dividida em duas partes. Dois enormes montes de pedra estão ligeiramente posicionados antes da escultura de King, de 9 m de altura, como se estivessem abrindo passagem para o Nobel da Paz de 1964, assassinado em 1968. De frente para a Tidal Baisin, alvo de diferentes críticas – da escolha do projetista, o escultor chinês Lei Yixin, a algumas das frases de King ali inscritas –, o monumento recebe milhares de turistas todos os dias.

Nascido escravo, Frederick Douglass morreu como um dos pensadores que influenciaram Lincoln no processo de abolição da escravatura

O restaurante Ben’s Chili Bowl foi um ponto de encontro nos protestos dos anos 60


Do bar Ben’s Chili Bowl à casa-museu

Nesse passeio temático por Washington DC, que tal uma parada para o famoso cachorro-quente do bar e  restaurante considerado bunker dos revolucionários de 1968? Importante palco dos movimentos negros, o Ben’s Chili Bowl foi o único estabelecimento da U Street a escapar do quebra-quebra nos protestos que se seguiram à morte de Martin Luther King.

Desde então, o lugar é frequentado por artistas, políticos e celebridades em geral. Na lateral do prédio, um mural de pinturas homenageia os clientes famosos. Alguns estão sempre lá, como Obama e Michelle. Outros entram e saem, em um revezamento de imagens que acaba funcionando como uma das atrações da rua.

O cachorro-quente é um half-smoke, de carnes bovina e suína, muitíssimo temperado, quer dizer, apimentadíssimo. Custa US$ 5,95. Hoje, a loja do 1.213 da U Street é uma das oito unidades da rede. Ela guarda as características de sua inauguração, em 1958, por Ben Ali, um imigrante de Trinidad e Tobago, e sua mulher, Virginia. 

Casa de Douglass

O abolicionista Frederick Douglass nasceu escravo, em 1818, e morreu aos 77 anos (em 1895) como o afro-americano mais influente de seu tempo. A casa em Washington onde viveu (por 17 anos) e morreu faz parte do patrimônio histórico americano e é aberta a visitação. No alto de uma colina, no bairro de Anacostia, a Cedar Hill House tem vista para diferentes pontos de Washington, como Capitólio e Monumento de Washington. Sua decoração, seus móveis e seus objetos são originais.

 

Serviço

Museu Nacional de História e Cultura Afro-Americana: www.nmaahc.si.edu/visit/passes

Ben’s Chili Bowl: www.benschilibowl.com

Cedar Hill House: Para visitas com guias do serviço de Parques Nacionais dos Estados Unidos, agendar em www.nps.gov/frdo

---

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo mineiro, profissional e de qualidade. Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar.

Siga O TEMPO no Facebook, no Twitter e no Instagram. Ajude a aumentar a nossa comunidade.