O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) chegou à Rússia nesta terça (15/2) e pretende se reunir para um almoço com Vladimir Putin, que está à frente do Kremlin pelo quarto mandato, nesta quarta (16/2). Para o diretor-adjunto de Relações Internacionais da Universidade Federal de Minas Gerais, Dawisson Belém Lopes, o encontro tem muito mais objetivos internos que externos para o brasileiro.

A visita de Bolsonaro a Moscou já estava alinhada há alguns meses. O presidente, inclusive, tinha o objetivo de realizar uma turnê por países europeus com líderes autoritários, mas deve se encontrar somente com Viktor Orbán, líder ultranacionalista da Hungria – claro aceno aos eleitores mais fiéis. 

“Curiosamente, vai servir a ele muito mais para a política interna que para a externa. Vai conseguir energizar sua base e tentar projetar uma imagem de estadista. Mas, vai estar pregando para convertidos. Quem está disposto a acreditar nessa versão de Bolsonaro acreditaria em qualquer coisa no fim das contas”, avalia Dawisson Belém Lopes. 

Apesar dos claros objetivos internos, Bolsonaro se aproxima de Putin em um momento de tensão no conflito entre Moscou e Kiev. Ontem, o presidente russo anunciou a retirada de parte de suas tropas em torno do país vizinhos, mas os ucranianos, até mesmo civis, continuam atentos diante de uma possível invasão do Kremlin. 

“O conflito se tornou mais palpável nas últimas semanas. Para Bolsonaro, o que era antes uma visita de cortesia, na tentativa de mostrar algum perfil internacional, o cenário mudou radicalmente. Ele hoje se vê com a possibilidade de reivindicar para si um papel num conflito de nível global”, analisa o professor da UFMG. 

Ainda assim, Dawisson Belém Lopes diz que Bolsonaro não tem grande relevância para o conflito, apenas funciona para Putin como um trunfo de aproximação da Rússia com a América Latina, historicamente mais alinhada aos Estados Unidos. 

De acordo com o professor, Bolsonaro “não é um ator internacional de relevo” porque não tem “as habilidades necessárias para desempenhar” um papel capaz de influenciar nos rumos do conflito entre Moscou e Kiev. Ainda assim, o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, chegou a publicar nas redes sociais mensagens que creditavam ao presidente uma eventual interrupção da tensão no Leste Europeu. 

Impactos da guerra no Brasil

Caso a Rússia realmente invada a Ucrânia, os reflexos da guerra atingiriam todos os países do mundo, inclusive o Brasil. Vale lembrar que o país liderado por Putin é protagonista na geração de energia do planeta, a partir do petróleo e, principalmente, do gás natural. 

“Os impactos são de curto, médio e longo prazo. No curto prazo, um desarranjo no suprimento energético europeu e global. Isso certamente vai causar incerteza nas bolsas de valores e vai gerar algum tipo de retração”, explica o professor Dawisson Belém Lopes, também pesquisador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

Já a médio e longo prazos, o especialista aponta que o Brasil teria que se posicionar diante do confronto. A depender dessa postura, por exemplo se Bolsonaro ficar ao lado de Putin por conta das pautas autoritárias defendidas por ambos, os reflexos seriam significativos. 

“Não é só petróleo. Gás natural também. A gente está falando de commodities do mercado de energia. Esses suprimentos são muito importantes. A Rússia é uma grande distribuidora de gás natural para a Europa inteira, e isso traz, em cascata, problemas para o mundo todo”, pontua o docente da UFMG. 

Do ponto de vista dos Brics, o grupo de países emergentes formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, Dawisson acredita que os efeitos seriam pequenos. Isso porque, na visão do especialista, o agrupamento perdeu considerável força nos últimos anos, até porque Pequim alcançou um poderia econômico muito maior que os outros componentes. “A China hoje é o elefante na sala. Então, pensar em qualquer plano de ação coordenada dos Brics é uma quimera”, diz.

Entenda o conflito

Diante da movimentação das tropas russas na fronteira com a Ucrânia, o mundo ficou em alerta em uma possível nova ofensiva de Putin em Kiev. O Kremlin já mostrou que é capaz de iniciar uma guerra no país vizinho em 2014, quando invadiu o território da Crimeia, península ucraniana hoje incorporada à Rússia.

O conflito pode acontecer. A Rússia, em 2014, já deu mostras que topa jogar apostando alto (com a invasão da Criméia). Mas, se houver um recuo vai ser por cálculo de parte a parte que vai ser o melhor caminho evitar um conflito de larga escala.

O confronto acontece por razões geopolíticas. A Rússia teme que a Ucrânia faça parte da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), estrutura militar que tem como lideranças os Estados Unidos e a União Europeia. Dessa maneira, o Kremlin deseja manter sua influência em um território com raízes e cultura semelhantes à Rússia e pertencente à União Soviética até sua dissolução em 1991. E, evidentemente, manter sua imagem de potência mundial não só do ponto de vista bélico, mas também do político.

Diante de tal cenário, o professor Dawisson Belém Lopes, da UFMG, avalia que um possível recuo do conflito só aconteceria se as próprias partes não irem à frente. “Acho que neste momento, parece ser o encaminhamento das coisas (o recuo da Rússia sobre a guerra). Os próximos dias serão decisivos”, avalia.