Genocídio

Ruanda: da barbárie a modelo africano

Massacre de 800 mil pessoas completa hoje 25 anos

Por Estadão Conteúdo
Publicado em 07 de abril de 2019 | 06:00
 
 
 
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Vinte e cinco anos após o genocídio que exterminou pelo menos 800 mil dos seus 7 milhões de habitantes e na sequência mandou para o exílio parcela considerável de sua força de trabalho, Ruanda vive em ritmo de crescimento acelerado – 8,9% de 2017 para 2018.

Por motivos óbvios, tem 60% da população abaixo dos 30 anos e um dos Parlamentos mais femininos do mundo (64% de mulheres na Câmara e 40% no Senado). É ainda considerado um dos lugares mais seguros da África e também um dos mais estáveis politicamente. 

Reeleito em 2017, o presidente Paul Kagame, ex-líder rebelde da etnia tutsi, pertencente à Frente Patriótica de Ruanda (FPR), está no terceiro mandato e é alvo de críticas de analistas internacionais após um referendo de 2015 tornar possível sua reeleição por mais duas vezes. Com isso, ele pode tentar ficar no poder até 2034. Ele chegou ao cargo em 2000 e foi eleito pela primeira vez em 2003. 

“O renascimento de Ruanda após a tragédia do genocídio espanta o mundo”, afirma a escritora Scholastique Mukasonga, que perdeu praticamente toda a família nos massacres. “Ruanda se tornou modelo para os países africanos. Ruanda sonha ser a pequena Cingapura africana”, diz, referindo-se à ilha asiática que se tornou um dos países mais ricos do mundo, sem  chegar a ser uma democracia.

Depoimento 

O professor Lyal S. Sunga fez parte da Comissão de Peritos do Conselho de Segurança da ONU que relatou os crimes cometidos durante os cem dias do genocídio e presta o seguinte depoimento:

"Chegamos a Kigali em 29 de outubro de 1994. Ruanda é um país de sol, solo rico em ferro e gente bonita, e essas foram minhas primeiras impressões. Nossa tarefa, no entanto, nos colocou cara a cara com os horrores de um dos piores crimes do século 20.
Jamais esquecerei o que vi lá. Em Nyamirambo, 6.000 pessoas foram mortas em três dias pela milícia hutu de um lado e pela guarda presidencial do outro, numa demonstração de premeditação e planejamento. 

Encontramos uma mulher com seu filho, forte e bonito aos 10 anos de idade, exceto pela desfiguração grosseira do golpe de machete com força total na frente do rosto.

Em 1º de novembro, fomos para N'tarama, onde 400 dos cerca de 5.000 corpos ainda não haviam sido enterrados desde o ataque, em 15 de abril. Foi lá que senti pela primeira vez o fedor de carne humana decomposta, um cheiro que permeia todo o seu ser.

Meu colega forense me apoiou no banco da primeira fila da Igreja de N'tarama, para evitar que eu escorregasse na gordura humana e caísse na massa de cadáveres. Em Nyarabuye, fiquei para trás do time e me vi andando sobre larvas negras mortas que tinham comido carne humana. Isso me chocou.

Em 2015, voltei à igreja de N'tarama. O zumbido reconfortante de pessoas em movimento substituiu o silêncio e o mau cheiro humano de 1994. Ruanda foi transformada de cenário de morte e destruição em um lugar limpo, eficiente, seguro e vibrante em duas décadas."

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