Desdobramentos

Defensoria ajuíza ação contra a lei que proíbe crianças na Parada Gay

Órgão pede suspensão da legislação e ela seja declarada inválida, em razão de múltiplos vícios de inconstitucionalidade

Publicado em 10 de novembro de 2023 | 14:28

 
 
MPMG e Defensoria Pública recomendaram oficialmente ao município que a proposta de lei fosse vetada pelo Executivo; o veto ocorreu, mas foi derrubado pelos vereadores e a lei acabou sendo publicada MPMG e Defensoria Pública recomendaram oficialmente ao município que a proposta de lei fosse vetada pelo Executivo; o veto ocorreu, mas foi derrubado pelos vereadores e a lei acabou sendo publicada Foto: Ronaldo Silveira/Arquivo
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A Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) ajuizou, nessa quarta-feira (8), uma ação direta de inconstitucionalidade pedindo a suspensão da lei, de autoria do vereador Layon Silva (Republicanos), de Betim, na região metropolitana de BH, que proíbe a participação de crianças e adolescentes em paradas do orgulho LGBTQIAPN+ ou em “qualquer evento público que tenha exibição de cenas eróticas e pornográficas, que incentivem o uso de drogas e a intolerância religiosa”. 

No documento, a Defensoria pede ainda que a nova legislação municipal seja declarada inválida, "em razão de múltiplos vícios de inconstitucionalidade".

A matéria prevê multa de até R$ 10 mil por seu descumprimento e diz que a obrigação de garantir a ausência de crianças e adolescentes nesses eventos é de responsabilidade dos realizadores dos atos, de patrocinadores e dos pais ou responsáveis pelos menores. 

A Lei Municipal nº 7.377, de 2023, foi aprovada pelo Poder Legislativo local mesmo após a prefeitura ter acolhido a recomendação da Defensoria Pública estadual e do Ministério Público de Minas, que alegaram na época que a matéria ofende à Constituição Estadual e Federal. O PL foi vetado pelo Executivo, mas, ao retornar para apreciação dos vereadores, foi derrubado, a lei aprovada na Casa, e encaminhada para publicação no "Órgão Oficial". 

Segundo a Defensoria Pública, com a derrubada do veto pela Câmara Municipal, foi necessário o ajuizamento de ação pelo órgão no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), "a fim de evitar violações de direitos e violências contra a comunidade LGBTQIAPN+".

A ação

Na ação, a Defensoria Pública ressalta que a nova lei fere a liberdade de locomoção de crianças e adolescentes e impede a fruição do direito à plena convivência comunitária. Além disso, a norma, conforme argumenta o órgão, "representa censura a uma manifestação de cunho político e pacífico, caminhando em sentido contrário ao dever estatal de construir um ambiente social fundado no pluralismo, no respeito às diferenças, na formação cidadã e no combate a todas as formas de discriminação".

A lei aprovada, ainda conforme argumenta a Defensoria, "viola ainda a dignidade da pessoa humana e descumpre as obrigações de se construir uma sociedade livre, justa e solidária, aprofundando a LGBTfobia e a marginalização".

A Defensoria Pública defende também "a existência de vícios de inconstitucionalidade formal na matéria, tendo em vista que a lei municipal teve origem por provocação de membro do Poder Legislativo, invadindo, então, a esfera de iniciativa privativa do chefe do Executivo local, já que a norma impõe deveres e funções fiscalizatórias a órgãos da administração pública local".

Na ação de inconstitucionalidade, a Defensoria declara "a existência de ofensa ao pacto federativo, uma vez que a norma regulamenta questões de proteção da infância e juventude, invadindo a competência legislativa da União, tema suficientemente regulamentado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e em relação ao qual não existem peculiaridades locais".

Segundo o defensor público Paulo Cesar Azevedo de Almeida, da Coordenadoria Estratégica de Tutela Coletiva e um dos autores da petição, o ordenamento jurídico brasileiro já reconhece a validade do casamento e da união estável entre pessoas do mesmo sexo, bem como admite a possibilidade de adoção de crianças e adolescentes por essas famílias legitimamente constituídas.

“Como admitir que essas pessoas, um dia órfãs, mas agora acolhidas com amor e afeto em um lar com dois pais ou duas mães, sejam impedidas de participar da Parada do Orgulho LGBTQIA+? Todas as famílias e todas as pessoas merecem igual valor e respeito”, afirmou Almeida.

Na visão do defensor público, essas manifestações sociais foram responsáveis por importantes conquistas de direitos ao longo da histórica e, por isso, defendeu ele, "censurar a realização desses eventos de conscientização sobre a diversidade apenas aprofunda o desconhecimento, a violência e a discriminação".

Repercussão

Por meio de nota, o Movimento LGBTI+ de Betim celebrou o ajuizamento da ação e declarou que, ao solicitar a suspensão cautelar da referida lei, o órgão demonstra compromisso com os direitos fundamentais e a proteção dos direitos das crianças e adolescentes, bem como com a promoção de uma sociedade mais inclusiva e respeitosa.

"Todas as pessoas, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero, merecem respeito, dignidade e igualdade. A Parada do Orgulho LGBTQIA+ é um evento que promove a diversidade, a inclusão e a visibilidade da comunidade LGBTI+ no combate da LGBTQIA+fobia. É importante ressaltar que a participação de crianças e adolescentes em eventos como a Parada do Orgulho LGBTQIA+ é uma oportunidade de aprendizado, respeito à diversidade e combate à discriminação. Essa participação ocorre de forma adequada, sempre respeitando a faixa etária e garantindo um ambiente seguro e acolhedor para todos os envolvidos", afirmou a entidade, por meio de nota. 

A presidenta do Movimento LGBTQIAPN+ de Betim e coordenadora da Rede Gay do Brasil por Minas, Leônidas Ferraz, comemorou o ajuizamento da ação. "O movimento LGBTI+ de Betim reafirma seu compromisso na  lutar por uma sociedade mais igualitária, livre de preconceitos e discriminações. Continuaremos trabalhando em prol dos direitos humanos e pela construção de um ambiente inclusivo para todas as pessoas", salientou.

Posicionamento

Na época da derrubada do veto, o vereador Layon Silva alegou não ser "homofóbico" e declarou que o PL "defende as futuras gerações". "Não nos furtaremos da responsabilidade de defender aquilo que é mais sagrado, que são as nossas crianças. Quero dizer para vocês, homossexuais, pessoas negras, que estamos aqui para defender as crianças. A luta da comunidade LGBT é para ser aceita, mas muitos querem militar e influenciar gerações. Eu não aceito isso e lutarei aonde for para defender essa pauta. A nossa discussão aqui não é sobre nós contra eles. Não sou preconceituoso nem homofóbico. Cada um tem a liberdade de decidir fazer o que quiser da sua sexualidade. Não interfiro nisso, mas interferir em crianças é um ataque a todos nós. Meu objetivo aqui é a não sexualização das nossas crianças. Já tem tantas coisas nesse mundo que interferem na formação do caráter e na personalidade delas", disparou o parlamentar.

A reportagem de O Tempo Betim tentou falar com Layon Silva nesta sexta-feira (10), mas o parlamentar não retornou.