Por justiça, queria começar esta crônica reconhecendo o “lado bom” da TV brasileira. Troquei ideias, refleti e admito que a TV serve, sim, como boa companhia de pessoas sozinhas, acamadas, idosas. Programação suave e inócua torna o cotidiano de muita gente menos solitário e tedioso.
Daí, empaquei nesse aspecto. Remexi, revirei e não achei outro “lado bom”. Para que mais serviria a TV da atualidade? O prato oposto da balança está cada vez mais pesado, alimentado pelo volume crescente de atrocidades que vão ao ar.
Comecei minha vida profissional numa emissora – e dei sorte. Na época, a TV Cultura de São Paulo inovara as rotas da comunicação útil, responsável e inteligente. Havia uma brilhante produção de alto nível que se espalhava pelo Brasil. Nos anos 80, além da tele-educação valiosa e das novelas inesquecíveis, a TV produziu maravilhas como “Vila Sésamo”, “Vinicius para Crianças”, “Balão Mágico”. Infelizmente, logo depois surgiu a Xuxa e, com ela, uma guinada rumo ao despenhadeiro. Na sequência, as TVs educativas viraram cabides de emprego com viés ideológico e demagogo nos governos petistas. Fim.
Já a TV comercial brasileira não é “educativa” nem no mais modesto e esperançoso sentido da palavra. Pelo contrário. Basta reparar que novelas, shows e atrações populares são sempre programadas para o chamado horário nobre – momento em que a família incauta se assenta no sofá. A TV ainda carrega parte da culpa de influenciar a garotada na busca ansiosa (ia escrever “doentia”) da felicidade baseada nos delírios de uma vida leviana, egoísta e de aparências – aquilo que temos de pior por aí.
Para entender a TV é necessário entender seus bastidores. De onde vem a grana para produzir, pagar pessoal e investir? Da publicidade, claro. São os anunciantes que bancam os cenários dos shows e os contracheques dos repórteres. Com a recessão brava da economia, essa fonte foi secando. Faltavam investimentos na indústria e respectivos comerciais de produtos, por exemplo. Enquanto isso, políticos, entidades, artistas e protegidos afinados com o poder enchiam os bolsos no suspeitíssimo manancial dos privilegiados.
Minguaram anunciantes. Mesmo assim, com a cumplicidade interesseira das agências de propaganda, as TVs não se apertaram muito. No Brasil, temos ainda o grande filão: campanhas pagas com dinheiro público, uma aberração inaceitável em muitos países. Através delas, segmentos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário mantiveram (e ainda mantêm) relações repugnantes com as emissoras – troca de interesses, politicagem, manipulação e, em alguns casos, até desvio “legalizado” de verbas.
Agora, deu zebra. O novo governo fechou a torneira da publicidade oficial. Notem: não se vê mais aquela enxurrada de anúncios de Banco do Brasil, Caixa, BNDES ou Petrobras. Em regime de fome, a televisão no Brasil se adaptou ao marketing da sobrevivência; montou uma vitrine escandalosa para vender a si mesma a qualquer custo. Será uma mudança difícil. Além de mal-acostumada com sua antiga opulência, a TV ainda enfrenta a concorrência dos nossos celulares – fantásticos e portáteis receptores e emissores de informação.
No sufoco, em compasso de espera e sem as verbas oficiais, a TV sofre de síndrome de abstinência. Se desce o cacete no governo atual, faria a mesma coisa com qualquer outro pela mesma razão.
TV não tem ideologia. Seu trabalho diário consiste em pesquisar o que está rolando no imaginário nacional e tentar agradar ao povo com novelas, shows, documentários e principalmente notícias. Como esperado, educação e conhecimento continuam a passar pelo filtro das conveniências. Já violência, feminicídio, minorias, massacres, traficantes, extermínios, drogas – essas coisas da moda – podem e devem ser exploradas sempre, segurando a audiência.
Prepare-se. Se a morte de uma arara na Amazônia despertar comoção nacional generalizada, tenha certeza: virá aí a nova novela “Sem Pena”.