Uma das peripécias de Bonifácio Pacheco na Colômbia é treinar pássaros, não por dinheiro, mas porque gosta. Por isso aceitou o pedido de Juan Manuel Echavarría para ensinar dois filhotes de papagaios a dizerem, um a palavra paz, o outro a palavra guerra.
Assim foi dito e apalavrado, com Bonifácio dando notícias a Juan de que o treinamento seguia, embora com resultados lentos das aves. Só oito meses depois o professor disse ao amigo que podia buscar os bichos. E de fato eles falavam guerra e pa. Juan ouviu de novo e questionou: mas ele está dizendo pa e não paz? Até que esclareceu-se que no Caribe colombiano, terra de Bonifácio, o som de "s", como o de "paz", não é pronunciado, e dessa forma foi ensinado ao papagaio fêmea.
Por fim, de volta para casa, Juan até que gostou em outro sentido. Pa é a ideia de que a paz é um processo incompleto, a mesma intenção que o levou a solicitar as habilidades de Bonifácio.
Na rotina do jornalismo, quando saímos para fazer reportagens, é comum que muitos dos assuntos obtidos na apuração acabem ficando de fora na hora de passar para a página o essencial que o espaço limitado permite ali.
Sempre aparecem boas histórias como essa dos papagaios que ouvi quarta-feira passada da boca do próprio Juan Echavarría. Ele é um dos artistas colombianos que participam da exposição "Cantos Cuentos Colombianos", que inaugura a Casa Daros, espaço cultural aberto sábado no Rio de Janeiro e dedicado à arte contemporânea latino-americana.
Essa história de Echavarría não coube na reportagem já publicada sobre a apresentação da Casa Daros à imprensa. Ele contou que a motivação para treinar os bichos veio da falácia política que ouve há mais de 50 anos sobre o fim da guerra civil colombiana, acordos e mais acordos de paz que são anunciados e não se cumprem e neles constantemente as palavras guerra e paz se contrapondo sem que uma solução se concretize.
Com os papagaios treinados, Juan gravou um vídeo em que ambos se equilibram num poleiro em formato de cruz que simboliza a mortandade de pessoas na Colômbia, e eles vão dizendo guerra e pa como uma ladainha que não se resolve. O grupo guerrilheiro (FARC) que veio dos camponeses pedindo reforma agrária tomou o rumo do narcotráfico que realimenta os conflitos colombianos.
É esse vídeo que passa para os espectadores na galeria, imagens que inicialmente sugerem algo lúdico para quem vê, com os papagaios coloridos se movimentando e dizendo guerra e pa, mas aos poucos o trabalho vai se mostrando mais profundo como contextualiza o artista.
Até a postura corporal dos papagaios no vídeo contribui para essa reflexão que a obra de Echavarría provoca, uma vez que o macho, que diz guerra, tenta constantemente se inclinar sobre a fêmea, que diz pa, tentando derruba-la ou tomar o território dela no poleiro.
O conflito colombiano se arrasta tanto quanto o de Palestina e Israel, com as mesmas promessas periódicas de acordos de paz que não se efetivam, com a diferença de que neste último o que está em jogo é o aspecto religioso.
Outra instigante obra de Juan Echavarría na mesma exposição é a série "Corte de Florero". À primeira vista parecem belos desenhos botânicos emoldurados, mas a observação mais próxima revela tratar-se de composições feitas com ossos humanos que ele conseguiu a partir de contatos com alguns médicos conhecidos. As delicadas flores de ossos remetem à infância do artista em Medellín, quando a violência ocorria no campo colombiano, entre conservadores e liberais, e se faziam mutilações no cadáver da vítima, chamadas de "cortes". Juan brinca com as designações científicas para dar nomes às peças. Uma delas, por exemplo, se chama "Orquis negrilensis", que quer dizer "corte de vaso de flores". Um corte nada comedido.
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