O recente resultado da consulta popular no Reino Unido para sua retirada da União Europeia, conquanto tenha sido a maior crise sofrida por esta última em 60 anos, não deveria ter provocado tanta surpresa. A decisão não reside apenas numa causa. Diria que inúmeros fatores determinantes constituem concausas, que sempre colocaram o reino britânico ora em desconforto, ora em visível divergência, principalmente de natureza política, que tem sido crescente à medida que o tempo e os acontecimentos foram esgarçando os vínculos de certa maneira frágeis com o restante do continente europeu.
O Reino Unido sempre manteve e aprofundou os interesses econômicos preferenciais com os Estados Unidos. Esse dado da realidade conduziu os demais outros para certa frouxidão na adesão, nítida na cláusula “opt out”, que colocou os britânicos em situação, no mínimo, pouco entusiasmada no âmbito da União Europeia. Fator também importante foi, com a aceitação dos demais membros, manter a libra como moeda nacional, que se completou com a independência do Banco Central, adotada no governo do primeiro-ministro Tony Blair.
Outro elemento perturbador do estreitamento das relações com o continente, compensado com íntima convivência político-econômica com os EUA, veio, embora distante, da posição deste vis-à-vis fatos ocorridos na Segunda Guerra Mundial. Churchill e Roosevelt sabidamente não se estimavam. Daí a tardança deste em declarar guerra às potências do Eixo, o que só ocorreu com o ataque japonês de Pearl Harbor. Contudo, terminada a guerra, tudo acabou esquecido, e os interesses maiores acabaram prevalecendo para reforçar os laços entre os dois países, principalmente os de natureza comercial.
Na verdade, é duvidoso afirmar que haja confluência de interesses maiores, mormente da parte do Reino Unido, em permanecer ligado à União Europeia. As queixas da maioria, conquanto tênue a diferença eleitoral, se avantajam quando são examinadas cuidadosamente.
Sempre fui um eurocético. O alemão Günter Verheugen, ex-comissário da UE encarregado do ingresso dos países do Leste Europeu no bloco, em recente entrevista ao jornal “O Globo”, não se sentiu constrangido em confessar receio de que, com o Brexit, “tenha sido iniciado um processo que poderá terminar com a desintegração do referido bloco”, a menos que a União Europeia esteja disposta a proceder mudanças significativas, tais como a descentralização, o excesso de burocracia, os consensos em torno da questão da imigração da mão de obra dos novos membros do Leste Europeu, o aumento excessivo da competência da UE – e mexe com um tema delicadíssimo, considerado por muitos, em passado próximo, enganosamente superado, o da soberania nacional. Na realidade, a Bélgica, numa junção de países, não a preponderância de um Estado único, tem cada vez mais a autoridade de sua capital contestada, expandindo-se a aversão, no interior do bloco, ao pretender Bruxelas regular tudo; é uma ideia que precisa ser repensada por sua cúpula.
Ademais, se se quiser preservar a integração, é indispensável curar as feridas da recusa da Constituição europeia pela França e pela Holanda, em 2005. Demais, é de recuperar a credibilidade abalada com a crise do euro, ainda sem solução. Por fim, como federação, conforme sonha Bruxelas, é inimaginável subtrair de 27 países o poder soberano. Sem formar uma confederação, o caminho é inatingível com uma federação.