Aos saudosistas que quiserem imaginar como seriam hoje os festivais da canção nacionais que agitavam o Brasil dos anos 1960 a 1980, uma opção é acompanhar o festival Eurovisão. Há 63 anos, cada país que deseja participar do evento indica um artista nacional para apresentar uma canção inédita num espetáculo competitivo com ampla audiência e participação popular – fórmula que costuma incluir boa dose de polêmica.
Esse foi o caso da edição 2019 do Eurovisão, que acaba de ser realizado na cidade israelense de Tel Aviv. A presença de Israel nessa competição europeia se explica com facilidade: podem tomar parte no festival todos os países membros da União Europeia de Radiodifusão, ver uma organização criada em 1950 e originalmente aberta a nações do Mediterrâneo e Ásia Ocidental. Além dos 56 membros localizados nessa região, a UER conta também com 21 países de outras partes do mundo em seus quadros, incluindo o Brasil.
Participante assíduo do festival desde 1973, Israel já venceu a disputa quatro vezes (1978, 1979, 1998 e 2018), tendo também sediado o evento em duas oportunidades: 1979 e 1999, ambas em Jerusalém. Pelas regras do festival, o país vencedor ganha o direito de sediar a disputa do ano seguinte. Entretanto, no passado, as altas tensões políticas do Oriente Médio não eram capazes de produzir tantas reverberações sociais e culturais como hoje em dia.
O movimento de reconhecimento internacional de Jerusalém como capital israelense, liderado pelos Estados Unidos, tem mobilizado governos árabes da região para uma reação econômica e política vigorosa: algo que, inclusive, amedrontou o governo brasileiro de transferir nossa embaixada para Jerusalém, conforme anunciado há meses.
Em sentido semelhante, a internet serve hoje como grande trincheira para o movimento BDS (sigla em inglês para “boicote, desinvestimento e sanções”), voltado para minar a aceitação internacional de produtos e serviços israelenses. Com a adesão em massa da esquerda europeia e norte-americana, além de celebridades do mundo do cinema e da música, o BDS visa pressionar Israel a deixar os territórios disputados com os palestinos em Gaza e na Cisjordânia.
É claro que esse movimento não deixaria um evento como o Eurovisão passar incólume, e desde o ano passado vem concentrando esforços contra o festival. Nessa intensa guerra cultural, a cantora Madonna foi uma das mais visadas, já que havia sido escalada para o show. Mesmo sob fogo cerrado, Madonna se apresentou no último sábado para uma audiência de mais de 1 bilhão de pessoas.
Em meio a todo esse turbilhão, sediar um concurso musical de gosto duvidoso se configura como uma grande vitória política para Israel. Dedicar-se a amenidades televisivas, normalmente, é uma opção para sociedades que já equacionaram suas principais ameaças existenciais: é justamente esse o sinal que Israel transmitiu, no último fim de semana – o de que a vida segue tranquila por lá.