Quando este artigo for publicado, a farsa, tudo leva a crer, já terá se consumado. Preferiria não comentar o ocorrido, mas, para quem gosta de observar detalhes históricos, vale acompanhar o caso.
Na semana passada, ao justificar seu voto a favor da intocabilidade de medidas judiciais cautelares decretadas contra parlamentares, o ministro Luís Roberto Barroso citou a exposição de motivos da proposta de emenda constitucional que levou à atual redação do art. 53 da Constituição Federal, pelo qual se pôs fim à farra de impunidade dos membros do Congresso Nacional. Reproduziu o ministro o texto da proposição que se tornou a Emenda 35/2001, de lavra do então senador Ronaldo Cunha Lima.
Naquela ocasião, Cunha Lima procurava se livrar da pecha de que se elegera para impedir um processo junto ao Tribunal do Júri. Pela Constituição, parlamentar não poderia ser processado, e ele tentara assassinar o ex-governador da Paraíba Tarcísio Burity em novembro de 1993. Elegeu-se senador em 1994. Porém, anos mais tarde, o ministro Joaquim Barbosa resolveu julgá-lo, perante o STF, com base na emenda de iniciativa do próprio Cunha Lima! Corria o ano de 2007. Cunha Lima já não era mais senador, e sim deputado federal. O que fez, então? Renunciou ao mandato, para ser julgado, como alegou ser seu desejo... pelo Tribunal do Júri! Catorze anos depois! Vislumbrava, quem sabe, a prescrição. A morte o alcançou antes.
A ironia do destino reside em que tal emenda constitucional foi promulgada no momento em que Aécio Neves era presidente da Câmara dos Deputados e, hoje, quando se tornou pivô da crise, tem como braço direito na defesa de seu mandato Cássio Cunha Lima, presidente em exercício do Senado Federal, na semana passada. E que é filho de Ronaldo Cunha Lima.
Como as eríneas, na mitologia grega, personificações que vingavam os homens, ainda hoje elas continuam a perseguir os personagens dessa tragédia. Ou farsa?!
Usando apenas o argumento do ministro Dias Toffoli, para quem somente uma “superlativa excepcionalidade” justificaria não submeter medidas cautelares contra parlamentares ao crivo de sua respectiva Casa legislativa, não teria sido “superlativa excepcionalidade” o fato de Aécio Neves, em conversa com Joesley Batista, falar em trocar o ministro da Justiça e, assim, poder indicar este ou aquele delegado de polícia para conduzir as investigações na Lava Jato? Como dito lá no STF, “isso é chapado!” O STF viu “superlativa excepcionalidade” nas ações de Eduardo Cunha. Mas nada vê de anormal nos movimentos de Aécio Neves.
De tudo isso ficará o triste registro da TV Justiça, focalizando sua câmera na ministra Cármen Lúcia, em impossível tentativa de mediar o inconciliável, como acusou o ministro Edson Fachin. Titubeante, não conseguia proclamar um resultado que exporia que lado havia tomado. Precisou valer-se dos rascunhos e da voz do decano, o ministro Celso de Mello, para dizer que aquela tormentosa sessão tinha chegado ao fim.
Ao que parece, naquele momento, sua liderança talvez também tenha chegado ao fim.
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