Comecei a escrever este artigo com a intenção de comentar a pantomima em que se transformou a função jurisdicional no Brasil, com destaque, evidentemente, para o julgamento do habeas corpus impetrado por Lula junto ao STF.
Enquanto rascunhava, a TV transmitia imagens das marchas dos jovens sobre Washington e centenas de outras cidades dos Estados Unidos. Era a juventude levando adiante sua luta pelo desarmamento. Subitamente, lembrei-me de um verso de Belchior em “Velha Roupa Colorida”: “O passado é uma roupa que não nos serve mais”. Deixei o embolorado “data venia” de lado, muito embora, devo dizer, já estivesse preparada para tecer ácidas críticas a tudo que se passou na quarta e quinta-feira passadas, num pretório nem tão “excelso” assim. Ainda que o tema seja para nós, brasileiros, de extrema importância, Belchior insistia lá no fundo de minha alma. “Como Poe, poeta louco americano,/ eu pergunto ao passarinho: Black Bird, o que se faz?/ E Black Bird me responde:/ tudo já ficou para trás,/ o passado nunca mais...”
Senti-me, pois, impulsionada a escrever, uma segunda vez, sobre o novo movimento estudantil em terras norte-americanas, inspirada, quem sabe, por mais alguns versos da mesma canção: “E o que há algum tempo era novo, jovem,/ hoje é antigo,/ e precisamos todos rejuvenescer”.
Fiquei comovida com as cenas do comício em Washington e particularmente tocada pelas palavras vibrantes de Yolanda Renne King, neta de Martin Luther King, que, com apenas 9 anos, eletrizou a multidão. E, mesmo depois de já ter participado de muitos comícios em minha vida política, confesso nunca ter visto nada igual: o discurso do silêncio, nos emocionantes seis minutos e 20 segundos em que a jovem Emma Gonzalez interrompeu sua fala para homenagear seus amigos que tombaram na chacina de Parkland, na Flórida.
A TV transmitia, também, algumas imagens do Boston Common. Lá estavam reunidas mais de 50 mil pessoas. Como, por razões familiares, visito a capital de Massachusetts há mais de 40 anos, conheço bem o local. Isso equivale a lotar a praça do Papa. Impressionada com a consistência dos pronunciamentos da moçada, vieram a minha lembrança os diálogos que travei com meus netos que lá vivem, quando estes ainda frequentavam a high school. Sabiam discutir política de igual para igual. A chave para compreender tudo isso me viria a ser recordada por Guga Chacra, o correspondente da GloboNews em Nova York, que, em breve intervenção, sublinhou a qualidade dos debates cívicos em que professores e alunos se engajam nas escolas públicas dos EUA.
Ainda que os sites na internet insistam em anunciar, todos os dias, as últimas novidades em games de violência explícita, a título de entretenimento, o jovem público ao qual se destinam respondia, naquelas marchas, tal e qual um poeta cearense, do qual nunca ouviram falar, há anos já nos indicava: “Você não sente, não vê/ Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo/Que uma nova mudança em breve/ vai acontecer”.