Conselho nem sempre é bom. Se fosse, não seria de graça, valeria alguns quilos do mais fino ouro. Mas um dos últimos que recebi, em meio à tormenta cruel na qual vivemos diariamente, me parece, se não bom, pelo menos útil, meu caro leitor incrédulo: logo ao amanhecer, antes de qualquer outro movimento – me disse um amigo (e médico) –, respire longa e profundamente. Devagar. Sem pressa. Encha bem os pulmões do ar fresco da manhã e o solte lentamente. Não permita que os seus pensamentos, não importa a natureza, se bons ou maus, atropelem o seu dia e o façam prisioneiro. Se forem maus, poderão levá-lo ao desespero, que nunca foi, nem será, bom conselheiro.
Tem sido esse, precisamente, o conselho que tenho tentado levar adiante nesse tempo de pandemia e (pior?) pandemônio político. O país vai mal sob qualquer ponto de vista: econômico, social, cultural, ético, filosófico etc., mas, sobretudo, humano.
Para aceitá-lo, todo cuidado com a palavra ainda será pouco: o ato de escrever faz sangrar, como disse a escritora Conceição Evaristo no programa “Roda Viva” da TV Cultura, na última segunda-feira (6.9). Ela revelou que chora ao escrever certos textos. Para ela, escrever é, também, um ato de resistência e, claro, de muito sofrimento.
Só o tempo nos dirá o que de fato aconteceu nos dois dias que antecederam o último 7 de Setembro – uma data que deveria merecer respeito, mas, em vez disso, passou a ser uma oportunidade político-eleitoral-ideológica, da qual se utilizou um governante que se diz a favor do regime democrático, mas trabalha todas as horas do dia para destruí-lo. Um governante, enfim, que só tem compromisso com o atraso.
Uma coisa é certa: o golpe foi tentado, mas Bolsonaro se esqueceu de combinar com os russos. Preparou-se para um “levante” de caminhoneiros e policiais, e pelo surgimento triunfal do “seu Exército”. O jornal “O Globo”, no domingo, ouviu seis jornalistas estrangeiros, que acompanham de perto o governo de Bolsonaro. Todos fizeram menção ao “modus operandi” do golpista: ele se inspira e se guia pela direita internacional, sobretudo a que é mais ligada a Donald Trump, que agora foi claro ao dizer o que pensa sobre o presidente brasileiro: “Eu amo o presidente do Brasil. Ele e o filho (Eduardo) são ótimas pessoas”. Para Brian Winter, chefe de redação da “Americas Quarterly”, “Bolsonaro não muda, mas é capaz de ficar tranquilo por um tempo. Ele provocará ruptura, se precisar”. Isto é, se não for reeleito em 2022.
O ex-presidente Michel Temer, nas entrelinhas das entrevistas que deu depois da carta que redigiu para Bolsonaro, sabe que ele continua tentado a aprontar; e, para a cientista política Daniela Campello, a radicalização se dá na medida em que ele percebe que, pela via eleitoral, suas chances são muito pequenas em 2022. “É um jogo repetitivo”, diz Campello.
Tópicos relacionados
Recomendadas para você
LEIA MAIS
- FBI faz buscas em residência de Donald Trump
- Um equívoco que precisa ser reparado
- A estupidez humana na política pode levar à morte
- Um registro que não pode passar em branco
- Sob qualquer ângulo que se olhe, o Brasil vai mal
- O país regride a passos largos, e só não vê quem não quer
- Desaparecimento na Amazônia e ausência de homens públicos
- Frio de maio traz à lembrança tempos que não voltam mais
VER TODOS