Acílio Lara Resende

Morre o criador de Mafalda

Sua lição jamais será esquecida


Publicado em 08 de outubro de 2020 | 03:00
 
 
 
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Na quinta-feira passada, Chico Caruso, em sua última tirinha, e seus companheiros Lan, Jaguar, Ziraldo e Paulo Caruso ergueram uma faixa em homenagem ao cartunista argentino Joaquim Salvador Lavado, conhecido como Quino, criador de Mafalda – um ícone contra as injustiças do mundo. O argentino morreu aos 88 anos, mas havia encerrado sua carreira há dez, quando ficou cego. Segundo o desenhista Miguel Rep, “podemos dizer que ele viveu amargurado como Mafalda. Quino foi salvo pela arte, um anjo nesta vida cheia de seres pesados”.

Pois a arte de modo geral, e não só a música, ajuda a enfrentar o desalento e a renovar a esperança no ser humano. Se o atual o decepciona, leitor, e se isso de fato ocorre com frequência, amanhã, como diz a música, será outro dia. Ninguém que defenda a liberdade conseguirá negá-la ou aboli-la. Os autoritários que a ela se opõem (como ainda ocorre em alguns países) têm seus dias contados. É só esperar.

Quino fez de sua arte, por meio da personagem Mafalda, um veículo vigoroso contra as injustiças sociais. São mesmo cruéis as desigualdades entre seres humanos “criados à imagem e semelhança de Deus”. Os jovens que habitam este “novo mundo” têm que fazer uma opção. O egoísmo não pode transformá-los em algozes da humanidade.

Morreu Quino, e, dois dias depois, Donald Trump e sua mulher foram acometidos pela Covid-19. Não desejo mal a ele nem a ela. Aliás, não desejo mal a ninguém, mas, se o visse por aí, lhe diria alto e bom som: “Bem feito, presidente! A falta de compaixão e o egoísmo demonstrados por você mereciam uma resposta à altura”. O castigo pode durar mais do que o necessário, mas sua hora sempre chegará.

Na década de 60, a menina Mafalda já definia o mundo como doente e tentava curá-lo com um esparadrapo. Se vivesse hoje, diria que Donald Trump é um mal a ser combatido e que ainda pode piorar muito. Sobre o Brasil, talvez apenas chorasse copiosamente.

Não conversei com o papa Francisco. Juro, porém, que ele bateu um papo com a principal personagem de Quino antes de terminar o texto da sua nova encíclica, “Fratelli Tutti (“Todos I rmãos”), publicada no dia de são Francisco de Assis. E, depois, além de defender a fraternidade contra as injustiças, bateu outro papo com Vinicius de Moraes: “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro na vida”, disse-lhe, suavemente, o poeta. Mas Francisco, ao criticar o individualismo, não deixou por menos e lhe respondeu. “É possível aceitar o desafio de sonhar e pensar em outra humanidade. É possível ansiar por um planeta que garanta terra, abrigo e trabalho para todos”. A causa de tudo, advertiu-lhe o papa, “está no vírus do individualismo”.

Contra as injustiças, só mesmo a fraternidade.

Abraçá-la é que nunca foi fácil para ninguém.

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