Pobre Argentina! A primeira estrofe do seu hino fala em liberdade três vezes. Depois, em “nobre igualdade”. No entanto, tudo leva a crer que está de volta o Movimento Nacional Justicialista, criado por Juan Domingo Perón, eleito presidente em 1946, 1951 e 1973. Esse movimento se transformou no Partido Justicialista. Ou seja, Perón está morto, mas o peronismo está mais vivo do que nunca não só nos escritos deixados pelo ditador, mas nas prévias Primárias Abertas, Simultâneas e Obrigatórias (Paso) das eleições de 27 de outubro próximo, realizadas no último dia 11.
A chapa formada por Alberto Fernández e pela ex-presidente Cristina Kirchner foi a mais votada. Há dois ou três anos, nenhum de nós seria capaz de imaginar que Mauricio Macri poderia correr o risco de não se reeleger. Esse risco, hoje, é concreto.
Lá, como aqui, “é a economia, estúpido”, que dá as cartas. Aliás, bem antes das prévias, o principal consultor político de Macri, o equatoriano Jaime Durán Barba, afirmou que o resultado das eleições de outubro dependeria da economia: “Se falharmos do ponto de vista econômico, o kirchnerismo poderá voltar”, fez questão de advertir.
O presidente Bolsonaro ficou bravo com a vitória do peronismo nas prévias. Chegou a admitir que, com a volta do populismo na Argentina, o Rio Grande do Sul poderia ser invadido por argentinos, como aconteceu em Roraima com os venezuelanos…
Em entrevista ao jornal “La Nación”, o provável futuro presidente do país vizinho, depois de resposta a Bolsonaro à altura, apelou para o bom senso: “Para mim, o Mercosul é uma questão central. O Brasil é nosso principal parceiro e continuará sendo”. Vale dizer: quando um não quer, dois não brigam.
Também penso, à maneira do que disse o ex-ministro Carlos Ayres Britto, em entrevista neste último domingo ao jornal “O Globo”: apesar de termos apenas 30 anos de regime democrático, ele veio para ficar. “A cidadania no Brasil está robustecida”, esclareceu o ex-ministro, e “o preço da liberdade é a eterna vigilância”.
Muita atenção, leitor: a polarização política, acolhida e estimulada por Bolsonaro, poderá possibilitar o retorno de um governo como o que vivemos durante 14 anos. Seria a volta triunfal de outro populismo, com sinal trocado. O que aconteceu na Argentina é um aviso.
Aliás, o constrangimento imposto a órgãos de controle e investigação pelo presidente, nesses últimos dias, órgãos que devem ficar distantes das pressões políticas, acende a luzinha vermelha, avisando que a República corre sérios riscos. A troca do superintendente da Polícia Federal no Rio por amigo da família Bolsonaro aumenta muito esse risco.
O poder do presidente, leitor, tem limites.