“Sofro com o que o Brasil está passando hoje”. A frase é do poeta, médico e escritor moçambicano Antonio Emílio Leite Couto, conhecido como Mia Couto. O apelido foi sugerido por ele aos pais, aos 3 anos, e tem relação com os gatos que viviam em sua casa.
O que disse Mia Couto me acordou e me levou a fazer reflexões sobre o que às vezes digo sobre meu país. Está aí, penso eu, a razão por que alguns amigos me consideram um ingênuo. Sou, dizem, o “único brasileiro” que ainda mantém intacta a esperança em nosso futuro como nação democrática. Ouço isso, leitor, mas, teimoso, não arredo pé.
Como Mia Couto, eu pensava que conhecia o Brasil, mas, desde a eleição de Jair Bolsonaro à Presidência da República, em 2018, com 56 milhões de votos (e o presidente acha que essa eleição foi fraudada…), venho meditando bastante sobre esse possível autoengano.
Embora não me entregue (a esperança é a razão da vida), pensei muito no que disse o notável escritor, que se considera só um poeta, com incursões noutras áreas, na entrevista que concedeu à revista “IstoÉ”: “Eu pensava que conhecia o Brasil, mas acho que não conheço tanto assim. Digo isso porque esse governo atual foi eleito, não resultou de alguma incursão externa ou algo que aconteceu contra a escolha do povo. É isso que me causa estranheza. Apesar de eu achar curioso que o presidente ainda tenha um índice de popularidade significativo, há qualquer coisa que eu não conhecia no Brasil”.
Se para Mia Couto, há qualquer coisa, em nosso país, que ele desconhece, para mim há não só qualquer coisa, mas muito mais coisas que ainda desconheço totalmente. A lista não caberia aqui. Por isso é que insisto: quanto mais penso, menos entendo a eleição para presidente da República de um velho conhecido da política – um eterno despreparado para o exercício do cargo para o qual de fato foi eleito.
A sua “performance”, sobretudo quando se mete a ser um “comunicador de excelência”, piora a cada dia, o ridiculariza e ainda envergonha o nosso país. Desde a posse, não conseguiu e, daqui para a frente, jamais conseguirá representar o povo que, por desespero (eis a causa, poeta), o elegeu. As eleições municipais, apesar do grande número de abstenções, votos nulos e em branco, provaram que sua liderança nunca existiu. Serviram para demonstrar que a democracia tropeça, mas não fenece. O passo dado agora será retomado em 2022.
Os brasileiros, leitor, como o poeta, sentem na carne o equívoco no qual vive o país. Mas se alegraram com as eleições que provaram, uma vez mais, que somos um povo que acredita e confia na democracia. Cuide-se, portanto, presidente, e redobre a sua atenção. A radicalização e o populismo, de um lado e de outro, foram esmagados. O castigo vem a cavalo.