A frase do título pertence ao saudoso humorista Millôr Fernandes. Lembrou-se dela velho amigo e companheiro no Clube Campestre Belo Horizonte, que, depois de seis meses, voltou a funcionar ontem, para alegria do seu quadro social. Millôr, além de humorista, fez de tudo em sua produtiva, intensa e incrível vida intelectual: foi desenhista, escritor, frasista, dramaturgo, jornalista, poeta, tradutor etc. Se fosse jogador de futebol, sair-se-ia genialmente nas 11 posições.
Ao falar de Millôr Fernandes, vem-me à lembrança sua companheira de muitos anos: a escritora, teatróloga, jornalista e fotógrafa digital Cora Rónai. Pioneira no “jornalismo de tecnologia”, foi a primeira a criar um blog e especialista em colecionar títulos e prêmios. Cora trabalhou em grandes jornais brasileiros. Hoje, em “O Globo”, onde está desde 1991, mantém coluna realmente imperdível às quintas-feiras.
Imagine, leitor, o que diria hoje Millôr Fernandes, se vivo fosse, sobre esse nosso país maravilhoso sob vários aspectos (“Viva o Brasil! Onde o ano inteiro é primeiro de abril!”). Sua presença, ao lado de Chico Anysio, por exemplo, certamente nos deixaria menos tristes diante desse tempo perigoso (tenebroso?) por que passa a maior parte dos brasileiros. Sua melhor lição, embora eu não a tenha aprendido, está nesta frase lapidar: “Com muita sabedoria, estudando muito, pensando muito, procurando compreender tudo e todos, um homem consegue, depois de mais ou menos 40 anos de vida, aprender a ficar calado”.
A contradição do que disse Millôr é o que há de mais instigante na sua inesquecível frase. Ele a criou para não a cumprir. Para desrespeitá-la. O silêncio por vezes é rico, mas a palavra é sempre rica. Através dela – falada, escrita ou desenhada –, Millôr se tornou imortal.
“Viver é desenhar sem borracha”. Minha mulher, que é desenhista, sabe mais que ninguém o real valor dessa auxiliar silenciosa. Nenhum desenho, sem sua presença macia, chegaria a um grande final.
Ao contrário da vida, no desenho você pode começar tudo de novo. Esse direito à borracha é sagrado, como se fosse o maior dentre todos eles.
Imagine se a vida se assemelhasse a um desenho. Ou se fosse assim: errou, desmanche o erro; mentiu, desmanche a mentira; roubou, desmanche o roubo, e assim por diante. Já imaginou se pudéssemos deslizar poderosa borracha sobre tudo que aconteceu não só nas eleições de 2018, mas no que surgiu, tristemente, depois delas? Feche os olhos, leitor, medite e se pergunte: o país que queremos para todos os brasileiros, sobretudo jovens, é esse mesmo, sem retoques?
Em 2022, passemos uma borracha nos últimos quatro anos. Esses, hoje se sabe, serão perdidos. E voltemos a tentar de novo. A liberdade e a empatia nos conduzem à esperança.