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A violência obstétrica é crime no Brasil?

Condições legais para que o responsável pela prática não saia impune

Por Samuel Justino de Moraes
Publicado em 07 de março de 2022 | 03:00
 
 
 
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A violência obstétrica é caracterizada pelo emprego de métodos verbais, físicos ou psicologicamente agressivos à dignidade e à integridade das pacientes gestantes, em trabalho de parto ou no estado puerperal.

O seu conteúdo de reprovação assenta-se na violação à autonomia e ao consentimento da gestante ou à sua autopercepção de dignidade e honra, além da desestabilização do equilíbrio emocional e psicológico no momento do parto, mediante atos que a exponham a tratamentos ou intervenções desnecessárias, violentas ou contra a sua vontade ou, ainda, pelo emprego de comentários agressivos, insultantes, humilhantes ou constrangedores.

Pois bem, após conceituada a violência obstétrica enquanto um fato pertencente ao mundo das coisas, passa-se a responder à pergunta que intitula o texto, algo pertencente ao mundo das normas.

De modo contraintuitivo, a violência obstétrica não é tipificada, de modo autônomo e específico, como infração penal. Isso não significa, porém, que a gestante se encontre inteiramente desamparada de comportamentos constitutivos de violência obstétrica nem que sairá impune o responsável pela prática. Portanto, os médicos, cujo risco eventualmente provocador da responsabilidade penal já é ínsito à atuação profissional, devem atentar-se aos limites demarcados pelo consentimento e pela dignidade da gestante, prezando, sempre, o tratamento humanizado no momento do parto.

Algumas das manifestações da violência obstétrica podem constituir crimes autônomos, os quais, ainda que não elaborados para o contexto de agressões no parto, restarão configurados caso preenchidos os elementos que os constituem.

Assim sendo, caso ocorra alguma intervenção cirúrgica sem autorização da gestante, a exemplo da episiotomia, o profissional médico poderá ser punido por lesão corporal, dado que ausente o consentimento que legitimaria a ofensa à integridade física. Somado a esse delito, se a intervenção abusiva for realizada por intermédio de violência ou grave ameaça, o cirurgião também responde pelo delito de constrangimento ilegal, já que compeliu a paciente a fazer algo que não desejava.

Além das duas figuras típicas mencionadas, se o profissional, no contexto de parto, promete mal injusto e grave à gestante, por qualquer meio, fora do contexto do constrangimento ilegal, poderá ser punido pelo delito de ameaça. Do mesmo modo, caso o médico, no contexto do parto, profira xingamentos ou humilhe a gestante, eventualmente, incorrerá nas penas aplicáveis ao crime de injúria, dada a ofensa à honra e dignidade.

Por fim, caso provocado algum dano emocional à saúde psicológica da mulher e à sua autodeterminação, mediante ameaça, constrangimento, manipulação, chantagem ou humilhação, restará configurado o crime de violência psicológica. Com efeito, a depender da intensidade da verbalização, ter-se-á, mais do que uma lesão à honra, uma forma de violência psicológica contra a parturiente.

Saliente-se que nem sempre haverá a incidência de todas as modalidades criminosas elencadas, sobretudo porque alguns crimes podem ser o meio de execução de outros, hipótese em que somente o crime mais grave restará configurado. Se, por meio da ameaça, o médico força a paciente a se submeter a procedimento não consentido, não haverá punição pela ameaça em conjunto com o constrangimento ilegal, mas tão somente pela prática do último delito.

Todo modo, a conclusão pela ocorrência de uma infração penal dependerá das circunstâncias do caso, devendo haver a completa e inteira adequação da situação do fato às características do crime para que se possa falar em punição do profissional médico.

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