No ano passado conduzimos um estudo que mostrou a evolução da mobilidade no Brasil por meio da música. No total, foram analisadas mais de 158 mil letras de canções, com 361 delas efetivamente retratando mobilidade. Como critério principal, o tema deveria ter um papel importante na composição para que ela fosse selecionada.
Na década de 2010, o assédio no transporte coletivo foi retratado em algumas músicas. Dois exemplos distintos pontuam o teor das canções: enquanto o Obinrin Trio canta em “Elas por Elas”: que “No busão, na rua, no metrô, na quebrada quero andar sem ouvir cantada, quero parar de ser invisível e fetichizada”. Farufyno mostra em “Um Ônibus Lotado” a visão de um homem que está paquerando a mulher e que, quando a vê ser assediada, dá uma surra no agressor.
Infelizmente, o assédio às mulheres é uma prática bastante antiga. Ainda no Império Romano, o imperador Sila (138-78 a.C.) ordenou intervenção jurídica nos casos em que uma “mulher honrada” fosse ofendida publicamente.
Nos últimos anos a discussão ficou mais forte, e diversas campanhas criticando essa prática foram criadas. Como exemplo, o movimento “Vamos juntas?”, idealizado pela jornalista Babi Souza com o objetivo de espalhar a ideia da sororidade (união e aliança entre mulheres, baseada na empatia e companheirismo) para que elas se unissem na rua inibindo, assim, violências como assédio e estupro.
O assunto voltou a estar em evidência nos últimos dias nas redes sociais. A série “Sex Education” retratou uma cena em que a personagem Aimee foi vítima de abuso em um ônibus.
Além disso, o “Big Brother Brasil 20” trouxe à tona uma estratégia de jogo de alguns homens que visava conquistar mulheres comprometidas para que elas perdessem credibilidade junto ao público.
Por fim, o novo single do cantor Jerry Smith, “Reladinha”, também foi criticado por muitos, especialmente no Twitter, por supostamente conter conotação apelativa e sexual.
Embora a assessoria do artista tenha negado veementemente as suposições das redes sociais, afirmando que a real motivação da canção é reviver a trajetória do músico, que se locomovia diariamente de ônibus, posicionando-se contra qualquer tipo de assédio, é importante salientar que as críticas se devem especialmente ao nome da música, associado ao fato de utilizar um ônibus como cenário.
Nesse caso, o ideal é nunca dar margem a interpretações de associação com o tema, que é muito delicado a todas as mulheres.
Um levantamento do Instituto Locomotiva e Instituto Patrícia Galvão de 2019 constatou que 97% das mulheres já foram assediadas no transporte coletivo. Em 2018, foi sancionada a Lei de Importunação Sexual, que tem como objetivo punir o assédio, principalmente no transporte coletivo, agravando a pena e punição para condutas criminosas.
É extremamente importante que esse tipo de comportamento seja denunciado, a lei, aplicada, e que sejam adotadas, em conjunto com a penalização, medidas preventivas e educativas, para que o Brasil não continue sendo recordista em violência contra mulheres.