Opinião

Saneamento básico

A quem interessa a possibilidade de privatização?

Por Eleonora Cruz Santos
Publicado em 27 de junho de 2020 | 03:00
 
 
 
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No dia 24 de junho, o Congresso Nacional aprovou, com maioria de 83%, o Projeto de Lei 4.162, que regulamenta a concessão do serviço de saneamento básico em todo país. Em 2012, o Brasil assinou o pacto de universalização dos serviços de saneamento básico, por meio do Objetivo do Desenvolvimento sustentável 6 (ODS). De lá para cá, pode-se dizer que nada avançou em termos de alcance, ou sequer de busca por parcerias e/ou incentivos que possibilitassem o crescimento da disponibilização dos serviços para a parcela da população desabastecida.

A chegada da pandemia de Covid-19 escancarou a aberração que são as estatísticas de saneamento no Brasil, onde as desigualdades sociais são, mais uma vez, reforçadas pelas desigualdades sanitárias.

Poderia ser momento propício para os governos olharem para o histórico das gestões das empresas de saneamento que, não incomum, sobrepõem critérios políticos aos técnicos e assumirem mea culpa histórica pela ineficiência de gestão, fruto direto das decisões top-down dos dirigentes máximos dos governos que usam da capacidade de geração de caixa e capilaridade para fazerem dos conselhos de administração e fiscal das empresas estatais verdadeiros nichos para acomodações políticas e aumentos de salários (os famosos jetons).

Apesar de tantas ingerências políticas por décadas, nas empresas de saneamento, notadamente nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraná, a qualidade dos serviços e a gestão financeira eficiente, no que diz respeito à geração de caixa e distribuição de dividendos, são marcas consolidadas e de interesse da iniciativa privada. Portanto, a quem interessa a possibilidade de privatização do saneamento? Essa questão merece ser dividida em duas partes aparentemente antagônicas.

De um lado, tem-se o papel endêmico do setor privado. Dentro do modelo capitalista, é do interesse desse setor que o desenvolvimento produtivo seja capaz de gerar lucros e, por conseguinte, possibilite a expansão e geração de novos investimentos.

No contexto do novo marco do saneamento é de se esperar que o setor privado, nacional e internacional, vá à busca da aquisição daquelas empresas cujo histórico e potencial de expansão sejam os mais elevados possíveis.

De outro lado, tem-se a lacuna entre os locais mais avançados em termos de condições sanitárias e aqueles cuja inexistência do saneamento básico atinge uma parcela expressiva da população que desconhece condições mínimas de saneamento e tem sido ignorada e alçada ao grupo dos invisíveis desse país.

Como o marco regulatório pretende alcançar esses invisíveis do saneamento, que residem em regiões que demandam elevado nível de investimento e baixo ou nenhum retorno financeiro se, até o presente momento, nem as empresas públicas, que não seguem as mesmas estratégias e propósitos do setor privado, não foram suficientes para contemplá-los?

Somente modelos muito bem desenhados de privatização, onde se coloque o ônus do investimento para garantir a universalização como contrapartida à privatização das empresas sólidas e bem estruturadas, serão garantidores da universalização.

O atual PL 4.162 não traz mecanismos garantidores do alcance desse objetivo. E a sociedade, em sua passividade e acúmulo de desconhecimento das causas embrionárias de suas desigualdades, deve seguir à margem dos processos que a define enquanto sujeito, permitindo que o Brasil assine, mais uma vez, atestado de incompetência na sua capacidade de desenhar e implementar suas políticas públicas. Os investidores sabem fazer conta e medir o risco Brasil: seus interesses não são definidos, muito menos garantidos pela Constituição.

Eleonora Cruz Santos possui MBA executivo pela Coppead-UFRJ e pós-doutorado em economia da saúde (UFMG)

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