Cida Falabella

O climatério e suas travessias

Precisamos visibilizar as questões das mulheres maduras


Publicado em 16 de dezembro de 2021 | 03:00
 
 
 
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Quando entrei na política, meus cabelos despontavam brancos e prateados em quantidade impossível de disfarçar. Não muito antes disso, me descobri feminista. E não muito antes também me divorciei, fui morar sozinha e experimentei uma série de transformações emocionais e físicas, que relatava num blog, A Louca Sou Eu”. Depois entendi que estava passando pela travessia do climatério, fase que, apesar de representar um tempo significativo da vida das mulheres (estima-se que passamos um terço das nossas vidas na transição entre vida reprodutiva e menopausa), é muito invisibilizada, estigmatizada. Exibir nosso envelhecimento em público ainda causa espanto, e é socialmente esperado que evitemos esse processo, que é natural e não deveria ser tabu.

Fiquei feliz de ver que o tema está ganhando força nas últimas semanas por meio da repercussão das cenas da Andréa Beltrão na novela “Um Lugar ao Sol”. Na trama, ela interpreta Rebeca, uma mulher de meia idade, em crise no casamento e na busca por se reinventar. O choque em torno da personagem acontece porque ela ousa estar em cena em um papel que não é só o da maternidade ou do cuidado: ela também tem prazer e se permite estar em crise. Bravo, Andréa! Precisamos visibilizar as questões das mulheres maduras, desconstruindo a ideia opressora de que a vida acaba com o fim da idade reprodutiva e de que não existe mais desejo e beleza nas mulheres climatéricas e menopausadas.

No período dos 45 aos 55 anos, experimentamos a diminuição de hormônios, que produz irritabilidade, calorões (os fogachos), insônia, ressecamento vaginal, diminuição da libido, aumento de peso. Somam-se a esses sintomas físicos a sobrecarga de trabalho, o adoecimento dos pais, a chegada da vida adulta dos filhos e problemas no relacionamento, fatores que contribuem para um estado mental de exaustão e solidão nas mulheres.

Apesar de parecer que envelhecer é só sofrimento, grande parte dos problemas poderiam ser aliviados se o climatério não fosse cheio de interditos em todos os espaços, principalmente na medicina. Quando chegamos aos consultórios, ou o desconforto é naturalizado como “normal da idade”, ou medicalizado indiscriminadamente, como se pudesse ser resolvido só com reposição hormonal. No entanto, é preciso ampliar os horizontes, entendendo que as mulheres menopausadas precisam da mesma atenção que é dada para as questões das mulheres em idade reprodutiva.

Essa foi uma das principais reivindicações feitas na audiência pública da Comissão de Mulheres que aconteceu no início de dezembro, sobre o tema do climatério. Segundo dados apresentados pelo grupo Menopausa Feliz, apenas 50% das mulheres que atravessam o climatério procuram acompanhamento médico, demonstrando que essa faixa etária precisa de mais políticas públicas direcionadas.

Ao lado de especialistas e das companheiras da Gabinetona BH, defendemos a necessidade de campanhas educativas, atendimento especializado e ampliação do acesso à informação. Com sensibilidade e orientação adequada, podemos aprender a escutar o nosso corpo para tratá-lo da forma compatível com as realidades de gênero, classe, raça e sexualidade existentes no envelhecimento.

Em uma sociedade que pensa na mulher apenas como um ser reprodutivo, deixar de sê-lo pode ser uma porta para a liberdade. Minha mãe dizia: “Cada idade tem a sua mocidade”; hoje entendo que ela queria dizer que é possível achar sentido e alegria em cada fase da vida. Cada uma de nós viverá esse tempo de maneira muito particular, atravessada por sua subjetividade, mas envelhecer com dignidade e prazer é um direito de todas as mulheres.

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