“Uma nação já não é bárbara quando tem historiadores”, disse o Marques de Maricá em suas “Máximas” no século XIX. Dois séculos depois, quando deixamos uma reserva da história como a Cinemateca de São Paulo ser consumida pelo fogo, não há como não chegar à conclusão de que retrocedemos em direção à barbárie.
O galpão atingido guardava documentos do Instituto Nacional de Cinema, do Concine, da Embrafilme e da Secretaria do Audiovisual, assim como cópias de filmes, negativos, projetores e outros equipamentos que retratavam a trajetória da produção cinematográfica brasileira. O ex-diretor da Cinemateca, Carlos Augusto Calil, afirmou que 60 anos de história foram perdidos nas chamas.
Não se pode afirmar que este seja um fato inesperado. Há pouco mais de uma semana, o Ministério Público Federal havia alertado para o risco de incêndio nas instalações por falta de equipamentos de segurança e de vigilância no acervo. Além disso, este foi o quinto incêndio sofrido pela instituição e, há um ano, uma inundação havia provocado graves danos ao acervo.
Em 2019, o contrato com a entidade responsável pela administração da Cinemateca se encerrou sem qualquer reação do poder público, deixando sem pagamento os serviços de manutenção e segurança. Em julho do ano passado, os procuradores federais entraram com uma ação contra a União cobrando os repasses e uma solução para a gestão do patrimônio. Em maio, a Justiça garantiu um prazo adicional para que as autoridades demonstrassem os resultados do trabalho na proteção do acervo.
As chamas de quinta-feira dão uma pista de que pouco havia sido feito para preservar o patrimônio e, pior, denotam a barbárie com que é tratada a história deste país.