Como os primeiros casos de coronavírus no Brasil estavam ligados ao contato com pessoas infectadas no exterior, especialmente na Europa, a Covid-19 foi equivocadamente identificada como uma “doença da elite”. Mas a evolução da pandemia não só comprovou o quanto essa afirmação é errônea, como aprofundou o inegável fosso da desigualdade nacional.
Dos mais de 4 milhões de infectados até maio deste ano, sete em cada dez eram negros ou pardos, muito além da proporção desse grupo na população brasileira (54,8%). A edição extraordinária da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada pelo IBGE na semana passada, mostrou também que os menos escolarizados foram os mais afetados: um em cada dois diagnosticados no período não tinha instrução alguma ou, no máximo, o ensino médio incompleto.
Os impactos mais severos sobre os menos favorecidos não foram apenas na saúde. Dos trabalhadores negros e pardos, o índice de afastamento foi de 20,8% – ou seja, um quinto da mão de obra empregada. Dos que foram demitidos, 28,9% não tiveram como voltar a procurar trabalho. E, daqueles que conseguiram manter a ocupação, apenas 9% tiveram a oportunidade de trabalhar em home office.
Historicamente, negros, pardos e não escolarizados vivem em um regime de subcidadania, mal atendidos – quando não são simplesmente excluídos – por serviços de saúde, assistência à mãe trabalhadora, educação e aprimoramento profissional. Por isso mesmo, são os mais atingidos pela pandemia.
É essencial, portanto, que as políticas públicas de superação da doença sejam orientadas para radical mudança desse quadro, pois, se a cura não vier para todos, ela não chegará a ninguém.