É revoltante haver “fura-filas” na campanha de vacinação contra a Covid-19 no Brasil. Em pelo menos oito Estados, o Ministério Público investiga irregularidades envolvendo figuras públicase autoridades que se beneficiam da projeção e do poder para garantir o imunizante e, de forma arrogante e egocêntrica, postam imagens da aplicação nas redes sociais.

O volume de ampolas em todo o mundo ainda é insuficiente para conter a pandemia. No Brasil, os 6 milhões de doses disponíveis da Coronavac mal dão conta de uma ínfima parte dos grupos prioritários definidos no Programa Nacional de Imunização. Somente profissionais de saúde passam de 5,9 milhões, e, para garantir a produção suficiente de anticorpos, é preciso que recebam duas aplicações em um intervalo não menor que duas semanas.

Em Manaus, onde pessoas morrem por falta de oxigênio nos hospitais e pacientes voltam para casa para ter um mínimo de dignidade, as autoridades tiveram que suspender a aplicação da vacina para apurar as irregularidades. Na Bahia, o Ministério Público recomendou multa de R$ 145 mil e investigação por improbidade contra o prefeito de Candiba, que tomou para si uma das cem doses enviadas para a cidade a título de “incentivar a população”. Há denúncias até de que influenciadores digitais foram colocados à frente de idosos e profissionais de saúde.

Furar a fila é mais do que uma falha de caráter. É um crime. Vacinar os grupos prioritários primeiro visa a preservar serviços hospitalares numa hora em que até nove em cada dez leitos de UTIs estão ocupados e mais de 210 mil pessoas morreram de Covid-19. Numa situação como essa, diferenciar de um homicida quem usurpa os escassos recursos de proteção, seja por fraude ou vaidade, é praticamente impossível.