Uma criança de 10 anos grávida é uma grave questão de saúde pública. A gestação ser resultado de quatro anos de estupros praticados por um membro de sua família é um severo problema social e de segurança pública. E o fato de essa menina, em vez de estar sendo amparada e protegida, ser alvo direto de acusações e ameaças denuncia uma preocupante distorção moral na sociedade.
O Ministério da Saúde contabiliza que, por ano, 21 mil crianças nasçam no Brasil de mães com menos de 15 anos. Isso representa um risco maior para os bebês, dos quais 15,3 a cada mil nascidos vivos não sobrevivem – quando, no geral, há 13,4 óbitos a cada mil nascidos vivos. E isso significa um perigo ainda maior para essas jovens gestantes, das quais 66 morrem para cada mil partos (dez óbitos a mais que a média nacional). E, quando sobrevivem, uma em cada cinco precisa abandonar os estudos, limitando suas opções de futuro.
O risco não é apenas biológico. Por dia, o Disque 100 recebe em média 50 denúncias de crimes sexuais contra menores. Em 2018, foram mais de 13 mil casos de abusos, sendo sete em cada dez cometidos dentro das casas dessas crianças por pais, mães, padrastos ou outros parentes das vítimas.
Tal realidade deveria ser suficiente para fazer alguém pensar antes de apontar o dedo contra uma vítima dessas duas tragédias. Em vez disso, não só radicais antiaborto foram ao hospital em que ela está internada gritar “assassinos”, como um de seus membros expôs o nome da menina nas redes sociais, o que fere o Estatuto da Criança e do Adolescente e o mais básico senso de amor ao próximo.
Achacar um ser fragilizado em vez de cobrar soluções nas esferas adequadas não é lutar por direitos, é covardia.