Futebol é a pátria de chuteiras, cravou o grande Nelson Rodrigues. Paixão define. Não por acaso, a palavra “paixão” tem origem no latim “passus”, o particípio passado de “pati”, que significa sofrer. Estudos indicam que esse sentimento provoca uma “tempestade” bioquímica e que os níveis de certas substâncias no corpo explicam por que uma pessoa apaixonada se torna irracional.
Assim como Nelson Rodrigues misturava na mesma crônica o preço dos jogadores à venda com a honra da mulher casada, torcedores parecem não enxergar a distância entre o que se passa dentro das quatro linhas e a vida aqui fora. Feito marido traído que se sente no direito de quebrar a casa e a companheira, o apaixonado detona as cadeiras, os banheiros, as grades, os ônibus e o que mais vir pela frente para extravasar. Destruir patrimônio e ferir o semelhante não podem ser consideradas formas legítimas de expressão da frustração.
Diante de situações extremas, nem torcida única, nem limite à bebida alcoólica resolvem, porque o problema é muito maior e acontece no Brasil todo. A violência do torcedor inconformado mancha o clube mais do que o placar negativo. Agora, que já sabemos o que está errado, é preciso fazer dar certo. Clubes, administradores de estádios, torcidas, polícias e o Judiciário podem, juntos, criar um plano para evitar tragédias no esporte brasileiro. É preciso uma estratégia nacional que passe, inicialmente, pela punição e, depois, pela prevenção.
Vai demorar, mas é imperativo levar aos estádios a sensação de segurança antes, durante e depois de qualquer jogo, independentemente do resultado. Quem encara o esporte só como paixão, com sangue nos olhos e fogo nas ventas, deve mesmo é pendurar as chuteiras. O escrete, escreveu Nelson Rodrigues, precisa de amor.