Editorial

Unidas pelo preconceito

O casamento de meninas e a cultura de machismo e abuso sexual


Publicado em 29 de outubro de 2020 | 03:00
 
 
 
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A cultura de tolerância à violência contra a mulher e a criança ainda é maior do que o senso de justiça no país. Os jornalistas Cristiano Martins e Gabriel Rodrigues revelaram na edição de ontem de O TEMPO que 329 meninas se casaram em Minas Gerais entre 2006 e 2018. Isso apesar de o ato sexual com menores de 14 anos ser crime de estupro de vulnerável desde 2005.


Em nove a cada dez dessas uniões, o cônjuge é maior de idade, e, na maior parte dos casos, a criança estava grávida. Nos 12 anos do levantamento, 350 filhos nasceram de mães com menos de 14 anos no Estado. Em uma lógica distorcida e perversa, o casamento é visto como uma forma de “preservar a dignidade” das meninas, apesar de elas serem, na verdade, vítimas.


A prática é apenas um dos lados da longa trajetória de machismo e menosprezo aos direitos de mulheres e crianças no Brasil. Somente no ano passado, mais de 17 mil casos de violência sexual contra crianças e adolescentes foram denunciados ao Disque Direitos Humanos do governo federal. 


A vida dessas crianças é considerada um bem da família mais do que um direito essencial delas. Por isso, não é de se estranhar que sete em cada dez casos de abuso tenham sido cometidos dentro de casa por parentes ou amigos. Por trás dessa lógica é que se escondem os agressores, que usam o casamento com essas meninas para evitar a denúncia pelos serviços de saúde quando elas vão se consultar no pré-natal.

A mudança no Código Civil no ano passado proíbe de vez o registro desse tipo de união, mas está longe de resolver o problema. A solução só virá com o fim dessa cultura permissiva ao machismo e que condena meninas a carregar a culpa que é exclusiva de adultos incapazes de controlar sua volúpia e sua covardia

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