

Esportivamente
Daniel Ottoni é repórter de esportes especializados do jornal O Tempo, do portal Super.FC e da rádio Super. Com experiência de cobertura em Copa do Mundo, Olimpíada e Mundiais de vôlei, tem uma predileção por bastidores e lado B. Por aqui, espaço para os esportes que têm uma religião chamada futebol como concorrente em muitos momentos.

Entrevista: Ginástica conta com única presidente de confederação esportiva
Coluna traz presença de Luciene Resende, que comanda ginástica do Brasil desde 2009 e acaba de ser reeleita com missão de abrir portas para novas gestoras

Única mulher presidente de uma confederação esportiva do país, Luciene Resende sabe que é minoria no cenário de gestão, como mandatária. Ao mesmo tempo, ela representa um desejo de muitos ao colocar alguém do sexo feminino no posto mais alto de uma entidade.
Ela está no cargo desde 2009 e foi reeleita, em 2021, com 90% dos votos, tendo a missão de mostrar não só a sua capacidade, mas das mulheres com competência suficiente para gerir todos os processos de uma modalidade.
O machismo não a desanima e aparece como uma barreira a mais para seguir conduzindo a ginástica a posições importantes no cenário internacional. Neste Dia Internacional da Mulher, Luciene fala sobre sua trajetória, objetivos e a sua representatividade dentro do esporte brasileiro, podendo abrir espaço para outras mulheres que visam o comando e altos postos dentro de outras modalidades.
Confira a entrevista:
Como se vê sendo a única mulher a presidir uma confederação de modalidade esportiva do país?
Eu me sinto vitoriosa e honrada, mas devo dizer que não é uma jornada fácil, é preciso lutar muito. Torço para que outras mulheres possam estar à frente, não só de outras confederações esportivas, como também em todos os setores da sociedade. Temos muito a contribuir para as mudanças de que o mundo tanto precisa.
O Brasil está atrasado nesse sentido? Por que acha que existe esta realidade?
Eu vejo essa realidade em grande parte do mundo. Nós, mulheres, temos de lutar muito para encontrar espaço e sermos ouvidas. Mas, na minha visão, o Brasil ainda carrega uma cultura muito machista, o que dificulta o acesso e mais oportunidades às mulheres.
Seu papel ganha ainda mais importância, dentro deste contexto, para comprovar a capacidade feminina e abrir caminho para novos exemplos?
Vejo que tenho muita responsabilidade. O esforço certamente é muito grande para provar que sou capaz de gerir uma confederação. Penso que os resultados da ginástica não deixam dúvidas quanto a isso. Espero que possa inspirar outras mulheres e que, no futuro próximo, possamos ter não apenas uma mulher à frente de uma confederação esportiva, mas em todos os setores da sociedade.
Como foi, resumidamente, sua trajetória, até ocupar o atual cargo?
Fui atleta, me formei em Educação Física, me tornei treinadora e árbitra de ginástica rítmica, em seguida fui eleita presidente da Federação Sergipana de Ginástica, depois fui eleita vice-presidente da Confederação Brasileira de Ginástica, me tornei presidente da CBG, e fui eleita também vice-presidente da União Pan-Americana de ginástica, e por votação recorde na entidade máxima da ginástica mundial passei a integrar o conselho da Federação Internacional de Ginástica.
Era uma vontade sua de muitos anos, antes de chegar à presidência?
Tudo aconteceu de forma muito natural, não planejei chegar à presidência da CBG.
Quais as grandes conquistas da ginástica na sua gestão?
A ginástica brasileira em nossa gestão vem tendo os melhores resultados de sua história. Conseguimos a primeira medalha olímpica da ginástica brasileira, e veio logo a de ouro, e nos Jogos seguintes aumentamos para 3 as medalhas conquistadas. Assim, a ginástica obteve medalhas nas duas últimas edições dos Jogos Olímpicos, sendo um dos esportes que ganharam o maior número de medalhas nos Jogos Rio 2016 para nosso país. Nos Jogos Sul-Americanos de 2018, a ginástica se consagrou como o esporte mais vitorioso da delegação brasileira. Em 2019, a CBG bateu seu recorde de medalhas em Jogos Pan-Americanos e conquistou mais um título no Mundial, dessa vez na ginástica artística masculina. E nesse mesmo sentido de grandes conquistas, conseguimos equipar o Brasil com aparelhos oficiais de ginástica, os quais são caros, e importados. Conseguimos oferecer a prática da ginástica em todo território nacional com equipamentos de ponta, da base ao alto rendimento, e isso é um grande legado. Assim, temos hoje 16 Centros de Alto Rendimento, em todas as regiões do país. Na área social e de fomento, implantamos 15 Centros de Excelência Caixa Jovem Promessa de Ginástica, exercendo um papel incrível de inclusão social em parceria com o nosso patrocinador. E, vale ressaltar, entre 2017 e 2020 os números que atingimos na ginástica são os maiores já alcançados por nossa modalidade, atestando a disseminação do esporte no Brasil.
O que dizer do grande apoio que teve na votação? Por que acha que teve esse bom resultado?
Trabalho. É o reconhecimento da gestão. Ter o apoio de mais de 90% dos votantes nos deixa a mensagem de que estamos no caminho certo, e que temos o apoio de toda a comunidade gímnica. Das 24 federações, 22 votaram em mim. Dos 12 atletas, 9 votaram conosco, dos 8 clubes, dentre eles grandes clubes olímpicos do país, todos os 8 votaram pela continuidade do trabalho. A Ginástica Brasileira vive um momento de intenso crescimento. Conseguimos nestes últimos anos disseminar a ginástica em todo o território nacional. Temos hoje Centros de Treinamento de alto rendimento e da base em todas as regiões do país, e os resultados ratificam todo esse trabalho. Isso se deve a muita dedicação, esforço e união. Ainda temos muito a fazer, e recebemos a confiança da comunidade gímnica para avançarmos ainda mais.
Metas diferentes para cada modalidade da ginástica, uma vez que cada uma está dentro de uma determinado contexto e realidade?
Nas modalidades olímpicas, continuamos firmes na ginástica artística, na qual alcançamos grande sucesso; na GR, creio que não vai demorar para alcançarmos vaga numa final olímpica, nosso grande sonho. Em nível continental, já temos grandes conquistas. E na ginástica de trampolim, esporte que exige muito investimento em equipamentos e inclusive em ginásios com pé direito alto, prosseguimos em nossa caminhada, com boas perspectivas para o futuro, e também com um rol de conquistas em nível continental. Nas disputas não-olímpicas da GTR, também temos campeões mundiais em nossa história. A imprensa pouco fala sobre as modalidades não olímpicas, mas elas são muito importantes para nós. O Brasil tem uma belíssima tradição na Ginástica Aeróbica e sempre tivemos muito carinho por ela. Estamos crescendo muito também na ginástica acrobática, um esporte belíssimo, muito técnico. E a Ginástica Para Todos é um capítulo à parte. O evento principal da GPT, a Ginastrada, é aquele que reúne o maior número de atletas, e envolve praticantes de todas as idades. Então, dentro desse painel amplo que é o nosso esporte, temos diferentes níveis de evolução, mas trabalhamos com igual afinco e dedicação em todas essas frentes, com grande paixão.
Seu marido e filho lhe dão suporte na gestão da CBG?
Meu marido sempre foi um grande incentivador e foi o apoio dele que me trouxe até aqui. Quando assumi a Presidência fiquei mais de seis meses em Curitiba, sem a minha família, sozinha. Um dia, liguei para o meu marido pedindo para ele ir para lá, e ele largou tudo para me dar todo o suporte. O meu filho há mais ou menos dois anos passou a contribuir e a me ajudar muito; o meu marido teve um deslocamento de retina e hoje tem muitas dificuldades para enxergar - já não enxergava de um olho justamente por um deslocamento de retina. Sou muito grata por todo esse apoio familiar. Sem o apoio deles não teria sido possível me dedicar 100% à ginástica e proporcionar todos os avanços e conquistas para a Ginástica do Brasil.
Tem receio de a CBG não obter recursos públicos por meio de algum processo jurídico que conteste sua reeleição?
Nenhum receio, fomos legitimados pela comunidade gímnica. Não teríamos concorrido a outro mandato caso não estivesse assegurado o nosso direito, e, antes de registrar nossa candidatura, consultei diversos juristas e todos foram unânimes no entendimento favorável a reeleição, inclusive o COB, entidade máxima do esporte olímpico, que fez um parecer nesse sentido. A lei foi bem clara com relação à possibilidade de reeleição para este mandato. Como disse, temos diversas orientações de juristas renomados que afirmam não haver nenhum tipo de impedimento, muito pelo contrário, esses juristas afirmam que impedir as entidades de receber recursos públicos por esse motivo seria como não observar a Constituição Federal.
A CBG conta com política ou ações para evitar quaisquer tipos de abusos de treinadores, situação com a qual a modalidade se viu envolvida, dentro e fora do Brasil?
Sim. A CBG foi pioneira no cenário esportivo ao implementar o Programa de Ética e Integridade. É sumamente importante ressaltar que esse programa é constantemente atualizado e ampliado, de acordo com as orientações profissionais que recebemos acerca do assunto. Nos últimos dois anos, realizamos em média uma ação por mês sobre o tema. Nesses encontros, buscamos atender toda a comunidade gímnica para que possamos seguir como uma entidade de referência no combate a qualquer prática de assédio e/ou abuso no esporte e na sociedade.
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