O jornalista Caio Braz não saiu da Olimpíada de Tóquio com uma medalha, mas o que não faltarão serão lembranças, memórias e a sensação de ter trabalhado no maior evento esportivo do mundo, praticamente sozinho, precisando dar conta de vários esportes e conviver, ainda, com as restrições que a pandemia impôs durantes os Jogos.
Credenciado pelo canal GNT e pela revista Vogue, ele focou seu trabalho na cobertura de skate e surfe, dois esportes estreantes, que tiveram o Brasil com belo resultado.
Caio aproveitou para, com todo o sentido de cobertura jornalística, 'puxar a sardinha pro seu lado', destacando situações que ficaram evidentes durante a Olimpíada e que precisavam ser debatidas.
A força dos atletas LGBTQIA+ e também dos nordestinos, grupos que faz parte com muito orgulho, foram um gancho importante que o jornalista fez questão de aproveitar para trazer o debate à tona e ajudar a descontruir o preconceito sobre estes temas que insiste em aparecer.
Confira a entrevista completa com ele
Como era sua produção diária?
Foram vários formatos. Gravei quatro matérias para o programa Saia Justa da GNT, com um tipo de boletim do que acontecia em Tóquio, mais ligado ao viés de comportamento e cultura. Então, às vezes era o que estava acontecendo fora das quadras, que se relacionava também ao que acontecia no Brasil, a como os brasileiros percebiam a performance dos atletas e as questões culturais envolvidas com cada atleta. Fazia uma ponte entre Brasil e Japão.
Escrevi também algumas matérias para a Vogue e uma espécie de “reality” no meu perfil do Instagram, com vários stories, IGTVs e reels com entrevistas exclusivas. Toda vez que um atleta brasileiro ganhava uma medalha, a imprensa brasileira tinha a oportunidade de falar com eles, então esse era um momento bem legal para a gente criar um conteúdo.
Qual era sua prioridade na cobertura?
Eu tinha três prioridades: a primeira eram os novos esportes em que o Brasil tinha chance de medalha. Então tive uma atenção especial com o skate e o surfe, que foram esportes novos nas Olimpíadas e que a gente trouxe medalhas. É muito legal que a gente esteja mandando bem em um esporte que chegou agora, um esporte que move muito a galera jovem.
Foi incrível para o Brasil, mostra que a gente tem se renovado muito bem no esporte. A segunda é a diversidade, porque eu sou LGBT, então eu queria ver os atletas LGBTs no topo. E aconteceu.
Tem até uma pesquisa que diz que se a comunidade LGBTQIA+ nos Jogos fosse um país, estaria em 7° lugar no quadro geral de medalhas. Acho isso muito legal, mostra também que a gente está tendo cada vez mais coragem de conversar sobre diversidade em um ambiente tão heteronormativo como o do esporte. Então é muito bom ver os LGBTs brilhando nesses lugares.
A terceira prioridade está ligada ao Nordeste. Eu sou pernambucano, e acredito que nós nordestinos temos uma série de desafios para sermos aceitos no Brasil, para sermos legitimados. Quando temos atletas nordestinos no topo, isso me emociona muito. Fiz questão de mostrar o que eles estavam fazendo para o meu público tanto do nordeste quanto fora dele, que nutrem um carinho muito especial pela região
Quais matérias mais chamaram sua atenção?
Eu amei tudo do skate. Acho que tinham muitas coisas interessantes ali: a adolescência chegando às Olimpíadas. Uma galera muito jovem, de 13 anos, conquistando medalha, se divertindo, trazendo uma leveza. Acho que as crianças e adolescentes do skate trouxeram lições importantes para nós adultos que vivemos tão estressados, com a saúde mental tão abalada, que vive em um mundo que se exige tanto. Então ver a prata da Fadinha, do Kelvin e do Pedro Barros foi incrível!
Acho que vai rolar uma grande onda de crescimento pelo interesse no Brasil, um esporte que há algumas décadas era marginalizado. São avanços incríveis, me emociono, eu amei produzir conteúdos sobre skate.
Amei também o surfe, acho que o surfe foi um desafio enorme. Porque era em uma cidade distante de Tóquio e passou um tufão no dia. Quando Italo Ferreira entrou no mar e a prancha dele quebrou, tinha tudo para dar errado, mas ver a dedicação, concentração e o talento dele, é incrível. Todos que estavam ali conseguiram perceber o quanto ele estava determinado.
Olimpíadas é isso: é abrir espaço para discussões sobre saúde mental e limite dos atletas, mas também ver um cara, como o Italo, que estava no auge da sua concentração e preparo mental. Ter a oportunidade de falar com ele e cobrir o surfe também foi muito bom.
Como era sua rotina?
Nossa rotina foi extremamente puxada. A gente dormia tarde, acordava cedo e fez um calor de 40 graus. Durante os primeiros 14 dias não podíamos pegar transporte público, só ônibus de imprensa. Também não podíamos ir para restaurantes, isso tudo por causa da quarentena obrigatória para estrangeiros, então a gente só comia em lojas de conveniência.
Mas para a nossa sorte, as lojas de conveniência no Japão, as Kombinis, têm tudo o que você pode imaginar: salada, macarrão, iogurte, cerveja... É como se fosse um pequeno supermercado. Então durante esses 14 dias a rotina dos jornalistas era praticamente só entre as kombinis e arenas olímpicas. Mas tudo valeu a pena, porque era um sonho meu cobrir os Jogos de Tóquio-2020!
Como fazia para escolher as modalidades que ia cobrir?
É interessante falar sobre isso porque um repórter esportivo geralmente fica com 1 a 3 esportes. Eu como estava fazendo uma cobertura generalizada eu tinha que me dividir para saber mais ou menos de tudo que estava acontecendo, porque eu estava fazendo isso praticamente sozinho. A minha cobertura foi eu e um parceiro que estava fazendo a cobertura para a Trip.
Fizemos uma dupla e tínhamos que dar conta de um trabalho que seria de vários profissionais. Nossas prioridades eram as novidades e os esportes em que o Brasil estava mandando muito bem. Tivemos uma ajuda grande do COB, que todos os dias mandava uma agenda de onde estariam os atletas brasileiros. Então a partir disso entendíamos o que seria mais interessante produzir naquele dia.
Como resumir esta experiência na Olimpiada?
Eu resumo essa Olimpíada como um verdadeiro troféu para mim enquanto jornalista e foi também milagre conseguir realizar um evento dessa magnitude em meio a pandemia.
O legal das Olimpíadas é esse grande encontro entre povos do mundo todo. Há espaço para territórios que nem são totalmente independentes, há espaço para refugiados, então a Olimpíada tem essa sinergia.
Então que tenha acontecido isso em meio a uma pandemia é um milagre é incrível. Claro, para que fosse possível, todos levamos muito a sério os protocolos de segurança e todos tivemos chance de se vacinar.
Sinceramente, só o Japão para conseguir organizar os jogos no meio de uma pandemia porque eles são extremamente fiéis às regras eles seguem tudo de uma maneira muito consciente Me orgulho muito de ter estado nessa missão é algo que eu nunca vou esquecer
Ja tinha trabalhado em outra edição dos Jogos?
Eu trabalhei na Rio 2016 como apresentador da arena do tênis foi bem diferente, foram duas olimpíadas extremamente diferentes. Primeiro porque o Brasil e o Japão são culturas muito diferentes. O brasileiro tem o calor, o toque, tem alegria e o japonês ele é mais fechado, mais protocolar embora seja super prestativo e festivo, à sua maneira. Da maneira que puderam - sem poder entrar nas arenas - os japoneses foram muito receptivos.
Outra grande diferença foi a falta de torcida, por causa da Covid e a falta de atrações como as casas dos países e outros eventos paralelos comuns nas outras Olimpíadas.
Espero que em 2024, em Paris, seja o retorno do mundo após pandemia em um contexto bem internacional. Também serão as olimpíadas da moda, Paris a capital mundial da moda. Então eu acho que a cultura, a moda, as pessoas e a alegria vão protagonizar as olimpíadas de Paris.
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Jornalista Caio Braz trouxe LGBT e Nordeste como temas da cobertura da Olimpíada
Credenciado pelo canal GNT e revista Vogue, ele levou sorte para o Brasil ao priorizar surfe e skate no seu trabalho diário nos Jogos
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