FABRÍCIO CARPINEJAR

A gargalhada do mineiro

Amizade em Minas é um parto, depende antes da gestação e dos nove meses. É aposentadoria dos laços, não surge com o mero cumprimento


Publicado em 10 de novembro de 2019 | 03:00
 
 
 
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Você só conquistou o coração do mineiro depois que ele tiver gargalhado. Mas gargalhar alto, com o rosto para trás e dor na barriga por excesso de contrações.

Não julgue, então, que ele é facinho. De modo nenhum, conseguir arrancar a gargalhada de um mineiro demora. Acontece na soma de muitos encontros. 

Amizade em Minas é um parto, depende antes da gestação e dos nove meses. É aposentadoria dos laços, não surge com o mero cumprimento. 

Não me refiro a risadinhas ou sorrisos, mas à sonora gargalhada. 

Já viu mineiro gargalhando na rua? Tão raro como encontrar um unicórnio. 

A gargalhada é a coroa da parceria, quando você realmente alcançou a cumplicidade para sempre. Será adotado dali por diante como parte da família. 

O riso sem freios do companheirismo é o instante supremo de descer a ladeira, após subi-la arrastando a bicicleta. É o fim das reservas, das censuras, dos medos e dos receios com a sua pessoa. Cumpriu todos os requisitos e etapas de aproximação e passou nos testes de caráter. 

Na concepção mineira de vida, a alegria é destinada para os irmãos de fé, aqueles eleitos que partilham a mesa e as confissões. Não é para qualquer um. 

Mineiro mostra os lábios de sua tristeza para os outros, porém esconde os dentes. Separa as piadas para quem é de casa. 
O auge cômico descende do hábito, do bem-querer, da costumança. 

Unicamente em Minas até a amizade não é feita sem esforço, magicamente no aperto das mãos. Resulta de um namoro de ideias e de completo estudo de personalidade. Não é como o Facebook ou o Instagram, onde os contatos são adicionados num clique. 

Exige apresentações, visitas, botecos, longas conversas, apuradas observações para ver se você é mesmo confiável.
Tanto que o mineiro não ri de provocações, implicâncias e malandragem de estranhos. Tem o humor literal. 

Perante uma extravagância ou uma loucura, ele apenas perguntará se está passando bem. 

Se você descontrair o papo com bobagens na frente de um mineiro que não conhece, ele não será receptivo. Vai pensar que vem debochando dele, que vem zoando da cara dele. 

Ficará ofendido com a falta de intimidade. Sem intimidade, tudo é grosseria, tudo é ausência de educação. 

Não experimente propor stand-up longe do palco. 

Porque as gracinhas não surtem efeito no primeiro contato. Não se ganha atenção com o fiado. Pede histórias, contextos e, principalmente, a segurança de saber quem você é. 

Fui bancar o besta quadrada, entrei num restaurante para jantar com a minha esposa. Enquanto a esperava, o garçom se aproximou e questionou se já gostaria de beber algo. Armei de ser engraçado para arrebatar a sua simpatia. O atalho costuma funcionar, ou melhor, funcionava. 

– Estou aqui pelo ar-condicionado, não tenho dinheiro. 

O garçom me fuzilou com olhar de poucos amigos. Entortou os ponteiros da gravata-borboleta, transformou-se em leão de chácara. Não compreendeu a gratuidade da minha molecagem. 

– Acho que não é o lugar apropriado, senhor. 

Levou a sério as minhas palavras, ao pé da letra, e me custou uma tremenda lábia para desenredar o mal-estar. 

Mineiro não brinca em serviço. Não se faça de bobo ou esperto.

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